quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sono é um aliado do cérebro



BEATRIZ CASTRO Natal

O que você sabe sobre visão e memória? Se a resposta for nada ou quase nada, você está na mesma situação de crianças de uma escola pública de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Elas entraram em contato com o tema pela primeira vez através de uma palestra dada por pesquisadores de duas universidades do estado. Você saberia dizer, por exemplo, qual a parte do corpo humano que é parecida com uma janela? Na aula, todas as repostas começaram a aparecer.

Pouco a pouco, as crianças, de apenas 11 anos, foram aprendendo os conceitos básicos da memória. Atenção não faltou. Mas a aula foi rápida. Em seguida, os alunos foram separados em dois grupos: um deixou a sala e voltou para a aula normal; o outro grupo ficou por ali mesmo.

Logo depois da aula, hora de dormir. Os pesquisadores querem saber até que ponto o sono ajuda a fixar na memória o que os alunos acabaram de aprender. E a sala de aula virou dormitório.

As luzes se apagaram, e os alunos, muito comportados, entenderam a importância da pesquisa e se entregaram lentamente a uma deliciosa soneca no meio da manhã. Segundo os pesquisadores, é neste momento que tudo aquilo que eles acabaram de aprender vai ser arquivado pelo cérebro.

Quando estamos acordados, informações sobre fatos, datas, eventos se acumulam no hipocampo, uma parte do cérebro. Durante o sono, essas informações migram para o córtex cerebral, onde vão ficar armazenadas por muito tempo.

"É uma espécie de reorganização da memória, que libera espaço neural para a aquisição de novas memórias no hipocampo e estoca as memórias antigas no córtex", explica o professor de neurociência Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

O grupo de estudantes que não dormiu manteve a rotina na sala de aula. Dois dias depois da primeira visita, os pesquisadores voltaram de surpresa à escola. Os alunos que dormiram e também os que não dormiram depois das novas lições fizeram um teste para saber qual o grupo que mais memorizou as informações.

As crianças, mais uma vez, colaboraram. E, concentradas, responderam todas as perguntas. A pesquisa toda já envolveu 250 crianças em escolas de Natal. Os resultados mostram que é sempre mais fácil para quem tirou um cochilo logo depois da aula.

"Em média, os meninos que dormiram tiveram um desempenho 10% melhor. Acreditamos que é porque o cérebro deles durante o sono protegeu e consolidou a informação nova. Enquanto que os meninos que continuaram em sala de aula tiveram mais interferência sensorial e tiveram uma memorização menos eficiente", diz Sidarta Ribeiro.

Para os pesquisadores, os resultados comprovam que o sono não deve ser tratado como um inimigo da escola.

"Eu acredito que a criança deva chegar para a escola bem alimentada, que ela preste bastante atenção na aula, que seja um aula muito eficiente e carismática, e que depois ela possa tirar um cochilo e consolidar essas informações com a atenção devida", diz Sidarta Ribeiro.

Se você ainda não se convenceu, um dos maiores gênios da Humanidade, Leonardo da Vinci, adorava uma soneca.

"Ele dormia vários cochilos de forma entremeada ao longo do dia. Então, após uma atividade de criação ou de estudo, ele se recompensava com um cochilo reparador, consolidador de memória", conta Sidarta Ribeiro.

Você se lembra da primeira questão da prova das crianças? "Os olhos são a janela do corpo humano": a frase – simples e genial – foi dita por Leonardo da Vinci entre uma soneca e outra.

Mas quantos problemas o gênio teria conseguido resolver ao acordar? Os pesquisadores do Instituto Internacional de Neurociências de Natal se perguntam: além do sono, os sonhos também atuam sobre o funcionamento do nosso cérebro?

"É muito comum a repetição de um sonho quando a pessoa está vivendo um problema que não se resolve", diz Sidarta Ribeiro.

O desafio dos cientistas agora é investigar o poder dos sonhos. Para isso, eles mediram as ondas cerebrais da voluntária Fabrícia Assunção enquanto ela dormiu. Mas antes de ir para a cama, ela recebeu uma tarefa: resolver os enigmas de um jogo de videogame.

"Vamos ver como eu vou me sair, porque não tenho nenhum costume. Nunca joguei, nem sabia que jogo era esse", disse a voluntária antes de começar o teste.

Os equipamentos mostraram que, durante o jogo, no cérebro, é ativada a área que controla os movimentos da mão. O game é violento, com monstros e muito sangue. Será que toda essa tensão se refletiu nos sonhos de Fabrícia?

Meia-noite e meia é a hora em que Fabrícia costuma pegar no sono. O sono dela foi monitorado. E quando o equipamento mostrou que ela já estava sonhando, a grande revelação: a área ativada no cérebro foi a mesma que ela usou durante o jogo, quando estava acordada.

Fabrícia foi despertada às 6h50. Pelo monitoramento, os pesquisadores sabiam que ela estava sonhando. A equipe do Globo Repórter não entrou no quarto no momento em que ela foi despertada para não interferir na pesquisa. A maioria das pessoas se esquece dos sonhos pouco tempo depois de acordar.

"Ela sonhou. O interessante é que além de ela ter relatado os sonhos e ter lembrado dos sonhos, o sonho dela teve ligação direta e indireta com a tarefa que ela realizou: o jogo", explica o pesquisador de psicobiologia André Pantoja.

Fabrícia conta que, quando foi acordada, lembrou que sonhava sobre um desenho animado, com uma briga e com montanhas. "De manhã, quando eu acordei, era como um desenho: o herói e o vilão estavam brigando um com o outro e, no final, o herói ganhou", descreve.

Ganhou o herói e ganhou a própria Fabrícia. Depois do sonho, ficou mais fácil vencer os obstáculos do jogo. Melhorou o desempenho da voluntária.

"As pessoas que sonham com seus problemas, resolvem seus problemas. Os sonhos servem para simular futuros possíveis. O sonho permite a criação de soluções novas, bastante complexas, para problemas comportamentais que nós temos", diz Sidarta Ribeiro.

Mas quando a pessoa fica muito ansiosa o sonho vira pesadelo e acontece o contrário: o desempenho no dia seguinte é baixo.

"Eu já fui direto ao ponto porque ficou mais claro. Não vou continuar jogando porque não gosto de monstro, nem de violência. Foi só um experimento", diz Fabrícia.

Dizem os pesquisadores que o exemplo de Fabrícia vale para todos: se conseguirmos lembrar dos nossos sonhos, talvez seja mais fácil encontrar a solução para os problemas que nos afligem.

"É triste abrir mão de uma arma tão poderosa que está dentro de você há séculos", constata André Pantoja.

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