domingo, 28 de junho de 2009

5 June 2009
Did population density create modern humans?
by Kate Melville

A controversial new study in the journal Science argues that increasing population density, rather than growth in the power of the human brain, is what catalyzed the emergence of modern human behavior. The University College London (UCL) scientists behind the study say that high population density leads to greater exchange of ideas and skills and prevents the loss of new innovations. It is this skill maintenance, they contend, combined with a greater probability of useful innovations, which led to modern human behavior appearing at different times in different parts of the world.

In the study, the UCL team found that complex skills learnt across generations can only be maintained when there is a critical level of interaction between people. Using computer simulations of social learning, they showed that high and low-skilled groups could coexist over long periods of time and that the degree of skill they maintained depended on local population density or the degree of migration between them.

Using genetic estimates of population size in the past, the team went on to show that density was similar in sub-Saharan Africa, Europe and the Middle-East when modern behavior first appeared in each of these regions. The paper also points to evidence that population density would have dropped for climatic reasons at the time when modern human behavior temporarily disappeared in sub-Saharan Africa.

"Our paper proposes a new model for why modern human behavior started at different times in different regions of the world, why it disappeared in some places before coming back, and why in all cases it occurred more than 100,000 years after modern humans first appeared," explains UCL's Adam Powell. "By modern human behavior, we mean a radical jump in technological and cultural complexity, which makes our species unique. This includes symbolic behavior, such as abstract and realistic art, and body decoration using threaded shell beads, ochre or tattoo kits; musical instruments; bone, antler and ivory artifacts; stone blades; and more sophisticated hunting and trapping technology."

While modern humans have been around for at least 160,000 years, there is no archaeological evidence of any technology beyond basic stone tools until around 90,000 years ago. In Europe and western Asia this advanced technology and behavior exploded around 45,000 years ago when humans arrived there, but doesn't appear in eastern and southern Asia and Australia until much later, despite a human presence. In sub-Saharan Africa the situation is more complex. Many of the features of modern human behavior are found some 90,000 years ago but then seem to disappear around 65,000 years ago, before re-emerging some 40,000 years ago.

"Scientists have offered many suggestions as to why these cultural explosions occurred where and when they did, including new mutations leading to better brains, advances in language, and expansions into new environments that required new technologies to survive. The problem is that none of these explanations can fully account for the appearance of modern human behavior at different times in different places, or its temporary disappearance in sub-Saharan Africa," noted UCL's Professor Stephen Shennan.

"We often imagine some sudden critical change, a bit like when the black monolith appears in the film 2001: A Space Odyssey. In reality, there is no evidence of a big change in our biological makeup when we started behaving in an intelligent way. Our model can explain this even if our mental capacities are the same today as they were when we first originated as a species some 200,000 years ago," added co-researcher Mark Thomas. "Ironically, our finding that successful innovation depends less on how smart you are than how connected you are seems as relevant today as it was 90,000 years ago."

Related:
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Did Civilization Emerge Thanks To A Change In The Weather?

Source: University College London


Alex e noz

Livro recém-lançado no Brasil conta a história do papagaio mais inteligente do mundo e de um campo de pesquisa em crise
Mike Lovet/Universidade Brandeis



Alex, o Einstein dos papagaios, que em 30 anos de treinamento aprendeu a contar até seis

CLAUDIO ANGELO


Quero noz. Nnn... óo...zzz."

Depois de muito pedir à sua treinadora, que insistia em tentar fazê-lo associar cores a sons num teste cognitivo, Alex perdeu a paciência. Sem que ninguém lhe ensinasse, soletrou a palavra, para deixar claríssimo a Irene Pepperberg que ele não queria fazer teste nenhum. Queria noz.
Alex era um papagaio cinzento africano. Seus 30 anos de treinamento por Pepperberg deram à ciência um vislumbre inédito da inteligência animal e mudaram o sentido da expressão "cérebro de passarinho".

A história de Alex e de sua treinadora chega pela primeira vez ao leitor brasileiro. Acaba de ser lançado "Alex e Eu", uma espécie de livro de memórias da pesquisadora americana, que mistura as biografias dela e da ave com preciosas pitadas de ciência -e muito chororô.

Concebido para ser uma homenagem póstuma a Alex, morto em 2007, o livro acaba ganhando um tom de catarse psicanalítica de Pepperberg. Ela descarrega as frustrações de sua infância infeliz na periferia de Nova York, de sua relação com a mãe que a detestava, reclama do machismo na academia, do ex-marido e do emprego de verdade que nunca arrumou, mesmo depois que Alex adquiriu status de celebridade científica mundial.

O que poderia ser uma excelente obra sobre comportamento animal para o grande público acaba virando apenas uma boa obra sobre comportamento de dois animais (o papagaio e sua treinadora), que frequentemente resvala para o melodrama. Ainda assim, o livro vale, hã... a pena.

Pepperberg adquiriu Alex ainda filhote, em uma loja de animais em Chicago. Perdida após um doutorado em química analítica no MIT, estava disposta a estudar cognição em aves usando a técnica do modelo-rival, desenvolvida nos anos 1970 para ensinar a linguagem humana a chimpanzés.

A técnica consistia não em ensinar diretamente ao animal, mas em fazê-lo observar um outro ser humano responder a perguntas e ser recompensado ou repreendido.

Ninguém imaginava que essa técnica pudesse funcionar com papagaios. Afinal, chimpanzés e humanos têm cérebros semelhantes e estão separados por apenas 6 milhões de anos de evolução. Papagaios têm um cérebro do tamanho de uma noz e seu último ancestral comum com os seres humanos tem 380 milhões de anos.

Banareja
Com Alex funcionou. O papagaio aprendeu conceitos de cor, forma e números. Surpreendia a treinadora fazendo o uso correto de "desculpa" e "não", soletrando palavras simples e até mesmo combinando conceitos. Numa das passagens mais divertidas do livro, Pepperberg conta como Alex, depois de aprender a falar "rolha" e "noz" passou a chamar amêndoa de "rolha noz". Ela uma vez apanhou a si mesma num supermercado perguntando onde ficavam as "rolhas nozes".
Em outra história, que já entrou para o folclore da etologia, Pepperberg e seus colaboradores estão para apresentar a Alex a fruta e a palavra "maçã". Depois de meses, um belo dia o papagaio dispara: "Banareja. Quero banareja". "Não, Alex, maçã", retrucou Pepperberg. "Banareja", treplicou a ave.

Aparentemente Alex havia fundido dois conceitos conhecidos, "banana" e "cereja", para nomear a nova fruta, que afinal era vermelha por fora e branca por dentro. A pesquisadora, no entanto, nunca conseguiu prova científica dessa elisão léxica.

A morte precoce de Alex deixa sem resposta várias perguntas sobre qual é o limite da cognição das aves. Mas, mais do que isso, ela põe em xeque esse campo de estudos e as carreiras de cientistas que passaram décadas fazendo um esforço monumental para ensinar bichos e obter resultados modestos.

Exceção?
Alex era um gênio, sem dúvida -mas mesmo assim levou 30 anos para aprender a contar até seis. Mas e os outros papagaios? Pepperberg treinou mais dois, Griffin e Wart, que nunca chegaram nem perto das habilidades do Einstein emplumado (Alex, aliás, não perdia uma oportunidade de humilhá-los no laboratório, dizendo: "Fale claramente!"). Outros animais, como o bonobo Kanzi e a gorila Koko, também adquiriam um certo vocabulário, mas pareciam incapazes de linguagem autônoma.

Baseado em 15 anos de experiência própria com comunicação animal e no histórico frustrante desses estudos, o psicólogo americano Marc Hauser chegou a propor que não adianta buscar nos animais as raízes da cognição do Homo sapiens -esta se desenvolveu recentemente, nos últimos 6 milhões de anos, embora a inteligência geral seja compartilhada.

Segundo Hauser, enquanto a inteligência humana se assemelha à luz de uma lâmpada, na qual a capacidade de resolver um problema é aplicada a outros, os outros animais têm uma inteligência de raio laser, direcionada a desafios específicos -como obter comida.

Por mais eloquente que fosse, no fim das contas Alex talvez só estivesse tentando descolar uma noz.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Azul mental

por Kentaro Mori
Monspiral
Exercício de meditação: contemple as espirais, em sua bela disposição lembrando uma mandala. Aprecie suas cores chamativas, e concentre-se nas espirais verde e azul. Medite e contemple bem, porque as espirais verde-limão e azul-bebê são na verdade exatamente da mesma cor.

As espirais verde e azul são ambas desta cor:
verdeorig
Os valores RGB são 0,255,150 ou #00FF96 em hexadecimal, e podem ser checados em qualquer programa gráfico. Repetindo: o verde-limão e o azul-bebê que achamos ver são em verdade o tom de verde que se vê acima.
Além de verificar as cores em um programa, você pode imprimir a imagem em papel e recortar os pedaços, ou conferir as demonstrações abaixo.
Na animação a seguir, criada especialmente para esta coluna, não há nenhum truque. Nenhuma cor é alterada, a animação consiste em um simples zoom na seção “azul”. Note como nossa percepção da cor muda, embora não consigamos perceber exatamente quando o verde se torna azul, e vice-versa. Quando você se dá conta, o verde já é azul. E vice-versa.
É um tanto desorientador observar a animação por muito tempo. Diz a lenda que uma menina que a observou por mais de cinco minutos arrancou os olhos e que se você não a repassar para cinco pessoas, seu cabelo irá cair, em formato espiral. Ou não, claro.
Outra forma de ilustrar o efeito é pintando as cores adjacentes:
Monspiralmod
Apenas as cores adjacentes foram pintadas, as espirais foram mantidas intactas.
E, para quem desconfiar que é a espiral-mandala com poderes místicos a responsável pela ilusão, a versão abaixo, um tanto monótona, também exibe o efeito:
color_illusion
O “verde” e o “azul” ainda são do mesmo tom.
Estas outras versões do efeito devem ter evidenciado que o que está em ação aqui tem relação com as cores adjacentes, o “fundo” contra o qual as cores são vistas. Altere o fundo, e o efeito se altera ou mesmo desaparece. A espiral é apenas uma forma especialmente bela de ilustrar o fenômeno de percepção.
Aqui em Dúvida Razoável, ilusões óticas de cor são um dos temas mais explorados. Desde a segunda coluna, que apresentava outros exemplos; até o magenta… e todas as outras cores da massa cinzenta, abordando em maiores detalhes nossa percepção e como cores adjacentes influenciammaior o que vemos.
Nem o verde-limão nem o azul-bebê estão realmente lá, são um verde e azul “mentais”. Essa ilusão ótica é surpreendente, mas talvez não mais do que a constatação de que todas as cores são construções mentais.
- – -
A espiral de cores é original de Akiyoshi Kitaoka, pesquisador responsável por muitas outras demonstrações famosas na rede de ilusões óticas. Já a versão retangular destacando apenas o efeito das cores é de Cuneyt Ozdas. Por fim, foi o psicólogo britânico Richard Wiseman que chamou atenção à ilusão, criada por Kitaoka há alguns anos mas circulando mais pela rede nos últimos dias.
Não deixe de ler o artigo sobre o magenta para descobrir mais sobre nossa percepção de cores. É um assunto genuinamente psicodélico.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

A aventura do conhecimento de Miguel Nicolelis e Drauzio Varella




Divulgação
Prazer em conhecer. Drauzio Varella e Miguel Nicolelis, mediação de Gilberto Dimenstein. Editora Papirus 7 Mares, 2009. 112 páginas. R$ 28,00
Na ciência, o culto às celebridades é bem menos comum e muito menos estridente que no futebol ou na TV, mas o que aconteceu com o neurocientista Miguel Nicolelis e o médico Drauzio Varella é algo para ser comemorado. Como cientistas ambos podem não ser tão famosos ou conhecidos do público, mas suas trajetórias profissionais têm muito a ensinar. Esse é o espírito do livro Prazer em conhecer, lançado pela Editora Papirus 7 Letras, que traz depoimentos dos dois, numa conversa mediada pelo jornalista Gilberto Dimenstein. No livro, o leitor poderá conhecer os detalhes biográficos de cada um e o que é mais importante, a opção visceral de dois brasileiros pela busca e a divulgação do conhecimento.

Miguel Nicolelis é professor da Universidade de Duke, Estados Unidos, mundialmente respeitado por suas pesquisas com interface cérebro-máquina. Já fez com que a atividade cerebral de macacos movimentasse membros robóticos que, num futuro não tão distante, podem melhorar a qualidade de vida de pessoas amputadas ou paralisadas. No Brasil, é o mentor do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra, iniciativa inovadora plantada no nordeste brasileiro e que combina ciência de ponta com responsabilidade social.

Médico oncologista, Varella se notabilizou com o best-seller Estação Carandiru (1999), baseado no seu trabalho voluntário com presidiários, e que ganhou as telas do cinema em 2002. Autor de outros livros como Por um fio (2004), um coleção de ensaios sobre a morte, e Médico doente (2007), em que narra sua experiência pessoal com a febre amarela que quase lhe tirou a vida, Varella se popularizou com séries exibidas no Fantástico, em que trata de temas de saúde com precisão, simplicidade e sensibilidade incomuns.

Canal Livre - Migule Nicolelis


http://www.youtube.com/watch?v=GdtKPXGDJtw

Palestra Miguel Nicolelis em São Paulo

terça-feira, 16 de junho de 2009

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Cérebro sociável



Novas pesquisas lançam luz sobre a rara síndrome de Williams, que combina deficiência cognitiva com grande espírito de sociabilidade
DAVID DOBBS
DO "NEW YORK TIMES"
Se uma pessoa sofre o pequeno acidente genético que causa a síndrome de Williams, terá de conviver não só com algumas deficiências de conhecimento bastante convencionais -problemas de percepção espacial e numérica como também com um conjunto estranho de traços designados como "fenótipo social de Williams" ou, em termos menos formais, "personalidade Williams": um amor pela convivência e pela conversação que se combina, em muitos casos de maneira incômoda, com baixa compreensão da dinâmica social e falta de inibições sociais. A combinação resulta em certos encontros memoráveis.
Oliver Sacks, o neurologista e escritor, certa vez observou uma menina de oito anos especialmente charmosa e portadora da personalidade Williams. A menina estava em visita a Sacks, no hotel em que estava hospedado, e decidiu puxar conversa com os convidados de uma festa de casamento no salão. "Eu temo que ela tenha quebrado o ritmo do casamento", disse Sacks.

 A história é típica dos pacientes portadores da síndrome de Williams, que nasce de um acidente genético durante a meiose, quando a dupla espiral do DNA se divide em duas porções separadas, as quais, por sua vez, terminam por se tornar material genético no óvulo e no espermatozóide. Normalmente, as duas porções se separam sem problemas, como as duas metades de um zíper que se abre. Mas, no caso da síndrome de Williams, cerca de 25 dentes de um dos lados do zíper -25 genes entre os 30 mil presentes no óvulo ou espermatozóide- se rompem durante o processo. Quando essa metade do zíper se une à metade oposta, vinda da outra pessoa envolvida na concepção de um novo bebê, a falta dos 25 dentes naquele segmento do DNA impede que os genes envolvidos realizem o trabalho que se espera deles.

 As deficiências cognitivas resultantes se fazem sentir em especial no ramo do pensamento abstrato. Muitos pacientes de Williams têm um conceito de espaço tão vago que, mesmo na idade adulta, encontram dificuldades para montar quebra-cabeças com apenas seis peças, perdem-se com facilidade, desenham como se tivessem cinco anos de idade e encontram problemas para reproduzir formatos simples como um X ou um T usando bloquinhos de construção. Poucos deles são capazes de manter em dia o saldo de suas contas bancárias. As deficiências causadas em geral reduzem em cerca de 35 pontos o QI que a pessoa teria herdado caso não tivesse o problema. Já que o QI médio é de 100, isso faz com que muitos dos pacientes de Williams tenham QIs da ordem dos 60 pontos. Ainda que alguns deles sejam capazes de obter e manter empregos simples, precisam de ajuda para administrar suas vidas.

Espírito de sociabilidade
O baixo QI, porém, ignora dois traços que definem a síndrome de maneira mais distinta do que qualquer déficit: um exuberante espírito de sociabilidade e capacidades verbais quase normais. Os pacientes de Williams falam muito e falam com quase qualquer pessoa que encontrem. Parece lhes faltar qualquer temor social. De fato, varreduras magnéticas de seus cérebros demonstraram que o principal processador de medo do cérebro, a amídala cerebral, que na maioria de nós demonstra atividade acelerada quando vemos rostos zangados ou preocupados, não demonstra reação quando o paciente de Williams vê rostos com esse tipo de expressão. É como se todos os rostos que vissem expressassem amabilidade.

 Os pacientes de Williams tendem a carecer não só de temor social mas de agilidade social. Eles não conseguem identificar vários dos significados, maquinações, idéias e intenções que muitos de nós inferimos com base em expressões faciais, linguagem corporal, contexto e uso de clichês de linguagem.

Novas pesquisas
Depois de passar quase três décadas ignorada, a síndrome de Williams -identificada inicialmente em 1961 pelo cardiologista J.C.P. Williams, da Nova Zelândia- recentemente se tornou um dos distúrbios de desenvolvimento neurológico mais pesquisados, logo abaixo do autismo, e vem produzindo percepções ainda mais interessantes. O autismo, para começar, é um distúrbio de espectro muito mais diversificado, com fronteiras mal definidas, desprovido de mecanismo identificado e de base genética reconhecida. A síndrome de Williams, em contraste, deriva de causa genética conhecida e produz um conjunto previsível de traços e comportamentos.

 O trabalho de Julie Korenberg, neurogeneticista do Centro Médico Cedars-Sinai e da Universidade da Califórnia e pesquisadora que ajudou a definir o acidente genético causador da síndrome, é parte do diversificado esforço de pesquisa sobre a síndrome que vem iluminando um dilema central da existência humana: para sobreviver, precisamos nos relacionar e trabalhar juntos, mas também precisamos competir com outras pessoas, para que não fiquemos para trás. Isso requer uma combinação bem calibrada de inteligência, astúcia, garra e esforço. Se tivermos algum desses traços em dose insuficiente, seremos excluídos porque nosso desempenho é medíocre. Se tivermos um deles em excesso, podemos ser excluídos porque promovemos conluios e representamos uma ameaça. Onde fica o ponto de equilíbrio? Uma resposta parcial pode ser encontrada na mistura de capacidades, graças e deficiências que a síndrome de Williams exibe.

Casos raros
A raridade da síndrome de Williams a torna obscura. Ela atinge uma em cerca de 7,5 mil pessoas, ante uma em 150 para o autismo ou uma em 800 para a síndrome de Down. A menos que apresentassem os problemas cardiovasculares que também distinguem a síndrome (derivados da ausência do gene que cria vasos sangüíneos, válvulas cardíacas e outros tecidos elásticos e que ainda hoje limitam a 50 anos a expectativa de vida de um paciente de Williams), os portadores da síndrome costumavam ser considerados "retardados mentais".

 Isso terminou no final dos anos 1980, quando alguns pesquisadores no campo da neurociência cognitiva, que começava a ser desenvolvido, passaram a estudar a síndrome. Entre os mais dedicados estava Ursula Bellugi, diretora do Laboratório de Neurociência Cognitiva do Instituto Salk de Estudos Biológicos, na Califórnia. Bellugi, que se especializou na neurobiologia da linguagem, foi atraída pelo talento lingüístico que muitos dos pacientes de Williams exibiam apesar dos sérios problemas cognitivos. O primeiro que ela conheceu lhe foi encaminhado pelo lingüista Noam Chomsky. "A mãe daquela adolescente mais tarde me apresentou a dois outros adolescentes que também tinham a síndrome", conta Bellugi. "Eu não precisei conversar muito com eles antes de perceber que havia algo de especial. Eles sofriam de grandes déficits cognitivos, mas conversavam com ardor, animação, de maneira muito colorida."

 Bellugi descobriu que essa fantasiosa verbosidade vinha acompanhada de uma afabilidade contagiante. Os psicólogos especializados em desenvolvimento classificam esse ímpeto social como "pulsão de afiliação". Parecia claro, desde cedo, que os genes destruídos pela Williams, identificados definitivamente na metade dos anos 1990, reforçavam essa pulsão ou a deixavam inalterada. Pesquisar sobre as bases genéticas do comportamento humano é tentar identificar o que nos define mais essencialmente. Uma das questões mais incômodas geradas pela pesquisa sobre a síndrome de Williams e pela tese sobre o cérebro social é determinar se o nosso comportamento social é propelido mais pela pulsão de conexão ou pela sanha de manipular essas conexões.

 A inclinação tradicional, evidentemente, é distinguir o comportamento humano essencial pelas nossas capacidades mais "elevadas" e poderes cognitivos. Dominamos o planeta porque somos capazes de usar o pensamento abstrato, acumular e transmitir conhecimentos e manipular o meio e uns aos outros. Sob esses termos, nosso comportamento social nasce mais de cérebros grandes que de corações grandes. A dissociação de tantos elementos na síndrome de Williams -o cognitivo do conectivo, o medo social do medo não social, a tensão entre a pulsão de afiliação e a pulsão de manipulação- destaca a conexão delicada e essencial que existe entre eles em quase todos nós. Mas as cisões da síndrome também identificam claramente qual dos dois fatores -carinho ou entendimento- oferece a contribuição mais vital. Pois, se a síndrome de Williams causa desvantagem ao gerar mais carinho que compreensão, reverter esse desequilíbrio gera um fenótipo muito mais problemático.

 Como define Robert Sapolsky, da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, "os pacientes de Williams têm grande interesse, mas baixa competência. Já uma pessoa que tenha competência, mas não sinta empatia, emoção ou desejo merece que nome? Trata-se de um sociopata. Os sociopatas dominam as grandes teorias mentais. Mas não ligam para ninguém."

miugel micorelis -sabatina na folha


segunda-feira, 8 de junho de 2009

"Ciência é da humanidade", afirma pesquisador em sabatina

O neurocientista Miguel Nicolelis afirmou nesta segunda-feira (8) que a ciência "não é de ninguém, mas sim da humanidade", ao responder se o seu trabalho, publicado há dois meses na capa da revista "Science", poderia ser considerado como de autoria de um brasileiro.

O pesquisador é sabatinado hoje no Teatro Folha, no shopping Pátio Higienópolis, em São Paulo. Seus entrevistadores são Claudio Angelo, editor de Ciência da Folha de S.Paulo, Gilberto Dimenstein, membro do Conselho Editorial da Folha, Hélio Schwartsman, articulista do jornal, e Suzana Herculano-Houzel, neurocientista e colunista do caderno Equilíbrio.
O paulistano Miguel Ângelo Laporta Nicolelis chefia um grupo de 30 pesquisadores no Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke (EUA). Ele pesquisa as possibilidades de integrar o cérebro às máquinas. Busca o desenvolvimento de próteses neurais para a reabilitação de pacientes que sofrem de paralisia. Neste ano, ele criou uma técnica para tratar os sintomas do mal de Parkinson com suaves impulsos elétricos na medula espinhal.
"Se os testes em macacos forem tão bem quanto em ratos, deveremos começar testes clínicos em 2010", disse o neurocientista, acrescentando que a pesquisa começou a enxergar o mal de Parkinson como uma alteração córtex do cérebro --além da alteração no córtex motor.
"Estimulamos a medula espinhal, que estimula o sistema motor como um todo. A idéia e restaurar a mobilidade pela interface cérebro-máquina", observa.
Ele exemplificou o estudo com o fato de que, quando o pé toca o chão, a prótese envia o sinal para o córtex --assim como os comandos cerebrais chegam à prótese.

Neurocientista nega que cérebro humano seja formado por "casinhas isoladas"

08/06/2009 - 23h27

O cérebro humano não é formado por "casinhas" isoladas, cada uma com a Responsabilidade de controlar diferentes funções do corpo --na realidade, nossas atividades são definidas em múltiplas partes do órgão. A afirmação é do neurocientista paulista Miguel Nicolelis, que trabalha na Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), e participou de sabatina promovida pela Folha na noite desta segunda-feira (8).
Com isso, ele se opõe aos estudos de Korbinian Brodmann sobre organização cerebral, que completam cem anos em 2009. Veja trechos da sabatina no vídeo abaixo.



"Estamos à beira de dizer que isso é balela", afirmou Nicolelis. Na visão do brasileiro, as funções do corpo não são determinadas "pela geografia", mas sim "pelas demandas que se impõem ao cérebro". "Se a pessoa perde a função visual, a função táctil se distribui para todo o córtex cerebral --inclusive para o córtex visual", diz.

Segundo o neurocientista, o cérebro tem a função de "remapear o mundo". "A plasticidade é inerente à dinâmica do cérebro, misturando múltiplas visões", informou.

Durante a sabatina, Nicolelis apostou no potencial da interação entre o cérebro humano e as máquinas, abrindo a possibilidade para que alguém "pense" em um lugar e uma ação seja desencadeada por um instrumento em um localidade distante.






"O nosso alcance vai mudar, no longo prazo, nossa noção de ambiente, de presença física", afirmou. "É como se houvesse uma incorporação ao corpo", afirma. Segundo ele, isso será possível por meio da interação entre as máquinas e o cérebro humano --que passaria a considerar aparelhos, mesmo que estivesse distantes, como se fossem parte do ser humano.

Para isso, é preciso que o cérebro receba e "entenda" os sinais emitidos pelos aparelhos e vice-versa. Segundo ele, isso não está muito longe. "No caso de um tenista, já é como se o cérebro entendesse a raquete como uma parte do corpo", diz.

Lado negro

Essas inovações dão motivos para que os mais alarmados pensem que a espécie humana está próxima de ser subjugada a artefatos tecnológicos que ela própria criou. Entretanto, na visão do neurocientista, não é o caso de se preocupar. Nicolelis vê que grande parte do medo das pessoas em relação à ciência --ou de seu "lado negro"-- vem da falta de informação.

"Não podemos mais aceitar uma ciência tão longe da sociedade, que seja algo tão distante, místico, alienado da população", afirma ele. "Não perco uma noite de sono pensando no risco de a tecnologia nos aniquilar."

De acordo com o pesquisador, depois da 2º Guerra Mundial, a mídia, os filmes e a literatura contribuíram para que a ciência fosse vista como algo misterioso, próximo dos filmes de ficção científica, em que as invenções podem ser usadas para o mal. Na visão dele, tudo, em tese, pode ter esse fim.

"Na faculdade de medicina eu aprendi 34 meios de fazer procedimentos cirúrgicos usando uma caneta Bic. Aprendi a fazer traqueostomia com uma Bic. Dá para fazer coisas piores."

Interação

Nicolelis também ressaltou aquilo que denominou de "globalização do bem" na ciência, permitindo o intercâmbio e encontro de cientistas de diversas nacionalidades.

O maior exemplo dessa "globalização científica" foi dado quando, ao ser questionado se a pesquisa publicada na revista "Science" deveria ser considerada como brasileira, Nicolelis afirmou que "o cara que teve a ideia nasceu na Bela Vista [bairro paulistano], mas um dos autores é chileno, outro alemão, outro americano. A ciência não é de ninguém, é da humanidade", observou.

Nicolelis chefia um grupo de 30 pesquisadores no Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke. Ele pesquisa as possibilidades de integrar o cérebro às máquinas. Busca o desenvolvimento de próteses neurais para a reabilitação de pacientes que sofrem de paralisia.

No ano passado, a equipe conseguiu fazer um robô de 80 quilos e um metro e meio de altura andar usando apenas a força do pensamento de uma macaca. Detalhe: o animal estava em um laboratório na Carolina do Norte, EUA, e o robô estava no Japão.

Os experimentos são avanços na criação de uma interface entre cérebro e máquina que permita a pacientes paralisados andarem ou se movimentarem, guiando membros mecânicos apenas por meio de ondas cerebrais.

Entretanto, o foco de sua pesquisa é criar opções de tratamento para esses pacientes, e não, desenvolver uma cura. "Você não trata a lesão original, mas cria desvios para permitir uma reabilitação motora", diz. Um exemplo disso é a possibilidade de criação de uma veste robótica, totalmente movida por meio das ondas cerebrais, para permitir que pessoas com paralisias ganhem de novo o potencial de movimento.