sexta-feira, 5 de março de 2004

Neurônio tem "personalidade", diz estudo

Células do cérebro mostram pelo menos 15 perfis de comportamento, que poderiam estar ligados a doenças

Neurônio tem "personalidade", diz estudo

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL A NATAL

As células do cérebro têm "personalidade" própria, e essa diferença entre elas promete dar pistas aos cientistas sobre as causas e possíveis tratamentos de doenças mentais e do sistema nervoso.
Essas células do sistema nervoso, os neurônios, podem ser classificadas em pelo menos 15 tipos, de acordo com seu comportamento. "Cada neurônio tem uma personalidade elétrica", diz o pesquisador Henry Markram, do Instituto do Cérebro e da Mente, em Lausanne, na Suíça.
Markram fez uma palestra sobre o tema ontem no 1º Simpósio de Neurociências de Natal, o evento que está dando o pontapé inicial na criação do futuro Instituto Internacional de Neurociência, que está sendo construído em Macaíba, município vizinho da capital potiguar.
A transmissão dos sinais nervosos é um evento físico-químico, que envolve sinais elétricos interagindo com mensageiros químicas conhecidos como "neurotransmissores".
Os neurônios podem ser classificados por esse perfil elétrico -por exemplo, se "disparam" rapidamente ou se o fazem com uma pequena espera inicial-, e também pelos genes que ativam.
Markram e colegas compararam esses dois perfis, e notaram que havia uma correspondência entre eles -de modo que, sabendo o comportamento elétrico, por exemplo, é possível deduzir o padrão de ativação dos genes.
O número, o tipo, os contatos dos neurônios entre si -"os neurônios são muito promíscuos", diz o pesquisador-, permitem deduzir regras sobre seu comportamento. E isso possibilita estudar "como podem mudar em diferentes tipos de doenças", diz ele.
Já existem algumas indicações de que esses circuitos cerebrais deficientes estariam por trás de problemas como o autismo, diz Markram. "É como um microcomputador com problemas, que nós tentamos descobrir quais são", afirma o cientista.
Apesar dessa semelhança com o que acontece num computador baleado, nenhuma estrutura computacional existente imita o que se passa no cérebro humano, lembra ele. Uma habilidade única é a capacidade do cérebro humano de associar eventos acontecidos em momentos distintos -como algo passado há dois segundos, há dois minutos ou há dois anos simultaneamente.
Por trás dessas capacidades está a área do cérebro que mais evoluiu e se diferenciou no homem em relação a outros mamíferos, o chamado neocórtex, que responde por 80% do cérebro do ser humano moderno.