domingo, 29 de março de 2009

Maus-tratos na infância alteram até os genes ativos no cérebro

Pesquisadores canadenses estudaram neurônios de suicidas.

Alterações genéticas estão ligadas a resposta ao estresse.

Benedict Carey Do 'New York Times'

Durante anos, psiquiatras sabiam que crianças que sofrem abuso ou são negligenciadas correm um alto risco de desenvolver problemas mentais no decorrer da vida, de ansiedade e depressão a abuso de drogas e suicídio. A ligação não é surpreendente, mas levanta uma questão científica crucial: o abuso causaria mudanças biológicas que podem aumentar o risco desses problemas?

Durante as últimas décadas, pesquisadores da Universidade McGill, em Montreal, comandados por Michael Meaney, mostraram que o amor materno altera a expressão de genes em animais, permitindo a diminuição em sua reação fisiológica ao estresse. Esses locais de armazenamento biológico são então passados à próxima geração: roedores e primatas não-humanos biologicamente preparados para lidar com estresse tendem a ser mais cuidadosos com sua própria cria, conforme descobriram Meaney e outros pesquisadores.

Agora, pela primeira vez, eles têm uma prova direta de que o mesmo sistema funciona nos seres humanos. Num estudo sobre pessoas que cometeram suicídio, publicado na revista científica "Nature Neuroscience", pesquisadores de Montreal relatam que pessoas severamente abusadas ou negligenciadas na infância mostraram alterações genéticas que provavelmente as tornaram mais biologicamente sensíveis ao estresse. As descobertas ajudam a iluminar a biologia por trás das feridas de uma infância difícil e sugerem algo que constitui flexibilidade naqueles capazes de vencer essas feridas.

O estudo “estende o trabalho animal no ajuste do estress a humanos de maneira dramática,” escreveu num e-mail Jaak Panksepp, professor adjunto da Universidade Estadual de Washington que não estava envolvido na pesquisa. Ele acrescentou: “Trata-se de um ótimo exemplo de como o estudo de modelos animais de flexibilidade emocional podem facilitar a forma de compreender as vicissitudes humanas.” 

Duas dúzias de cérebros

No estudo, cientistas da McGill e do Instituto de Ciências Clínicas de Cingapura compararam os cérebros de 12 pessoas que haviam cometido suicídio e tiveram infâncias difíceis com 12 pessoas que haviam cometido suicídio e que não haviam sofrido abusos ou negligência enquanto crianças.

Os cientistas determinaram a natureza da criação dos objetos de estudo realizando extensas entrevistas com parentes próximos, assim como investigando registros médicos. Os cérebros estão preservados no Hospital Douglas, em Montreal, como parte do Banco de Cérebros de Suicidas em Quebec, um programa fundado por pesquisadores da McGill para promover estudos sobre o suicídio que recebe doações de cérebros de toda a província.

Quando as pessoas estão sob estresse, o hormônio cortisol circula largamente, colocando o corpo em alerta máximo. Uma forma pela qual o cérebro reduz essa ansiedade física é criando receptores em células do cérebro que ajudam a limpar o cortisol, inibindo a agonia e protegendo neurônios da exposição prolongada ao hormônio, que pode ser danosa.

Os pesquisadores descobriram que os genes que regulam esses receptores eram cerca de 40% menos ativos em pessoas que haviam sofrido abusos na infância. As mesmas impressionantes diferenças foram encontradas entre o grupo do abuso e os cérebros das 12 pessoas de um terceiro grupo, o de controle, que não haviam sofrido abuso e que morreram de outras causas que não o suicídio. “Isso é uma boa evidência de que os mesmos sistemas funcionam em humanos e em outros animais”, diz Patrick McGowan, pós-doutorando no laboratório de Meaney na McGill e autor-chefe do estudo. Seus co-autores, juntamente com Meaney, foram Aya Sasaki, Ana C. D'Alessio, Sergiy Dymov, Benoît Labonté e Moshe Szyf, todos da McGill, e o Dr. Gustavo Turecki, um pesquisador da McGill que dirige o Banco de Cérebros.

Graças a diferenças individuais no maquinário genético que regula a resposta ao estress, explicam os especialistas, muitas pessoas administram seu sofrimento a despeito de infâncias terríveis. Outros podem encontrar conforto em outras pessoas, o que os ajuda a normalizar a inevitável dor de viver uma vida inteira.

“A conclusão é que esta é uma linha de trabalho incrível, mas ainda há um longo caminho a se percorrer – seja para compreender os efeitos da experiência prematura ou as causas das doenças mentais”, disse por e-mail Steven Hyman, um neurobiólogo da Universidade Harvard.

Ver alguém que você inveja levar a pior dá prazer ao seu cérebro

Conclusão é de análise feita com ressonância magnética por japoneses.

Cientistas dizem que sentimentos invejosos são produto de vida social.

Natalie Angier Do 'New York Times'


A maioria dos vícios humanos tem sentido suficiente para ser muito, muito tentadora. Luxúria, gula, preguiça, lançar fortes expletivos a um membro da oposição política, comprar um par de sapatos de pele de cobra com 25% de desconto mesmo que tenha acabado de comprar um par de sandálias vermelho-cereja na semana passada – todas essas coisas são deliciosas, e é por isso que as pessoas precisam ser repetidamente lembradas de não fazer isso.

 

 

Foto: Serge Bloch/NYT

As desgraças dos outros podem ter gosto de mel, diz ditado japonês (Foto: Serge Bloch/NYT)

Um vício, entretanto, dispensa quaisquer enfeites hedônicos e gera tanta dor que você pensaria ser uma virtude, embora não haja nenhum ganho final em massa muscular: a inveja. Escondendo-se em sexto lugar nas listas tradicionais dos sete pecados capitais, entre a ira e a vaidade, a inveja é o profundo e muitas vezes hostil ressentimento que se sente em relação a alguém que tem algo que você quer, como dinheiro, beleza, uma promoção ou a admiração de um colega. É um vício que poucos podem evitar, mas que ninguém anseia, pois experimentar a inveja é se sentir menor e inferior, um perdedor embrulhado em maldade.

"A inveja é corrosiva, feia, e pode arruinar sua vida", diz Richard H. Smith, professor de psicologia da Universidade do Kentucky, que escreveu sobre a inveja. "Se você é uma pessoa invejosa, é difícil apreciar muitas das coisas boas que estão por aí, pois você está ocupado demais se preocupando sobre como elas se refletem em si próprias."

Agora, pesquisadores estão colhendo percepções sobre os interiores neurais e evolutivos da inveja, e por que ela pode parecer uma doença física ou um golpe real. Eles também estão traçando o caminho da igualmente pequena embalagem da inveja, a sensação de "schadenfreude" – sentir prazer quando aqueles que você inveja são levados à lona.

Numa edição recente da revista especializada "Science", pesquisadores do Instituto Nacional de Ciências Radiológicas, no Japão, e seus colegas descreveram exames cerebrais com participantes que tiveram de imaginar a si mesmos como protagonistas de dramas sociais envolvendo personagens com maiores ou menores status de realização. Ao confrontar personagens que os participantes admitiam invejar, as regiões cerebrais envolvidas em registrar a dor física eram estimuladas: quanto mais alto os participantes classificavam sua inveja, mais vigorosamente respondiam as saliências da dor no córtex dorsal anterior e áreas relacionadas. 

Bem feito

Ao mesmo tempo, dizem os pesquisadores, quando os participantes receberam a oportunidade de imaginar a queda do sortudo, os circuitos de recompensa do cérebro foram ativados, novamente em proporção à força da ferroada da inveja: os participantes que sentiram a maior inveja reagiram à desgraça do outro com uma reação mais vigorosa nos centros de prazer de dopamina como, por exemplo, o estriado ventral. "Temos um ditado em japonês: 'As desgraças dos outros têm gosto de mel'" diz Hidehiko Takahashi, o primeiro autor do estudo. "O estriado ventral está processando esse mel."

Matthew D. Lieberman, do departamento de psicologia na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, co-autor de um comentário que acompanha o relato, diz ter se impressionado por como os combinados neurais de inveja e schadenfreude eram amarrados conjuntamente, com a magnitude de um prevendo a força do outro. "É assim que funcionam outros sistemas de processamento de necessidades, como a fome e a sede", diz ele. "Quanto mais fome ou sede você sente, o mais prazeroso será quando você finalmente beber ou comer."

As novas descobertas são preliminares, mas alguns cientistas expressaram reservas sobre o que elas ou outros resultados de exames do dinâmico campo de neurociência comportamental realmente significam. Todavia, a pesquisa lança uma luz sobre uma poderosa emoção que nós negamos ou ridicularizamos, mas ignoramos por nossa conta e risco. Grande parte da recente crise econômica, sugere Smith, pode muito bem ter sido abastecida por inveja fugitiva, à medida que financistas competiam para evitar a vergonha de ser um "mero" milionário. 

Correlatos animais

A inveja pode ser vista em outros animais sociais com reputações pessoais a defender. Frans de Waal, do Yerkes National Primate Research Center em Atlanta, apontou que os macacos eram felizes em trabalhar por fatias de pepino, até que uma pessoa passou a dar recompensas melhores, como uvas, a um dos macacos. Então os outros pararam de trabalhar por pepino e começaram a criar um rancor. "A emoção primária é provavelmente a inveja ou o ressentimento", diz de Waal.

Quando as crianças percebem que têm irmãos, suas vidas se tornam dominadas pela inveja. Por que ela sempre se senta na janela? O pedaço de bolo dele é maior! Sem irmãos? Tudo bem: você pode invejar o gato.

Pesquisadores muitas vezes distinguem entre a inveja e o ciúme que você sente, digamos, ao ver seu amado flertar com outra pessoa numa festa. O ciúme é um triângulo, diz Smith, no qual você teme perder um ser amado para outra pessoa. A inveja é um assunto entre duas pessoas, uma flecha indo de seu seio invejoso ao coração do outro mais favorecido. Embora a inveja seja incansável e gregária, podendo abraçar facções populares, a honra gira e completa Estados-nações. "É um fato da vida que prestemos muita atenção ao status, a quem está indo bem e quem não está, e como parecemos em comparação a outros", diz Colin W. Leach, professor associado de psicologia na Universidade de Connecticut, em Storrs, que estuda a inveja.

Como regra, invejamos aqueles que são como nós em muitas maneiras – sexo, idade, classe e currículo. Ceramistas invejam ceramistas, observou Aristóteles. Paradoxalmente, essa indução de emoções principalmente social tem sua confissão entre as menos socialmente aceitáveis. Hostilidade ciumenta a um rival romântico é um tópico aceitável para conversação. Hostilidade invejosa a um rival profissional é mais como uma função corporal constrangedora: por favor, não compartilhe. Quando questionados por pesquisadores sobre sua inveja, participantes de estudos disseram: "Estou secretamente envergonhado de mim mesmo."

Da forma como os cientistas evoluciotivos a veem, as características importantes da inveja – a persistência e universalidade, sua fixação com o status social e o fato de coexistir com a vergonha – sugerem o desempenho de um profundo papel social. Elas propõem que nossos impulsos individuais podem ajudar a explicar por que os humanos são comparativamente menos hierárquicos que muitas espécies primatas, mais inclinados a um igualitarismo bruto e a se rebelar contra reis e magnatas que conseguem mais do que sua parte justa.

A inveja também pode nos ajudar a manter a linha, nos tornando tão desesperados para parecermos bem que tomamos a estrada correta e começamos a agir bem. Lutamos com nossa inveja particular, nossos anseios por mais estima, e a luta só aguça o doloroso contraste entre a suposta perfeição do adversário, que santificamos num trono imaginário e a mercadoria defeituosa que somos nós mesmos.

"Se você deseja a glória, pode invejar Napoleão", disse Bertrand Russell. "Mas Napoleão invejava César, César invejava Alexandre, e Alexandre, ouso dizer, invejava Hércules, que nunca existiu." Se a inveja é um imposto cobrado pela civilização, todos precisam pagar.

Genética influencia modo de funcionamento do cérebro, diz estudo

Pesquisa envolveu a comparação de gêmeos idênticos e irmãos.
Resultado sugere que genes influenciam desempenho cognitivo.

Salvador Nogueira

 

Ativação média de um cérebro no estudo

Características como inteligência e personalidade podem ser herdadas geneticamente? O que faz uma pessoa agir de um determinado modo, a natureza ou a criação? Essas São algumas das questões mais intrigantes e controversas da ciência, e as respostas para elas só podem estar em um lugar: o cérebro. Agora, um novo estudo joga luz sobre a polêmica.

A pesquisa, encabeçada por Jan Willem Koten Jr., da Universidade Aachen, na Alemanha, usou as tradicionais imagens de ressonância magnética funcional para identificar potenciais mudanças em ativação de circuitos cerebrais pautadas pela genética.

Para fazer a constatação, ele comparou membros de dez trios de irmãos, dos quais dois eram gêmeos idênticos -- portanto, possuíam a mesma constituição genética.

Durante as observações do cérebro, os participantes tinha de realizar tarefas cognitivas ligadas à memória. Mais especificamente, tinham de memorizar a presença de um dígito específico num quadro de números enquanto eram distraídas pela realização de operações aritméticas ou categorização de objetos diferentes.

Estudos anteriores com gêmeos já tinham tentado encontrar potenciais diferenças no cérebro com base na genética, mas sem sucesso. Isso porque eles tentaram focar em partes específicas do órgão.

"Influências genéticas em ativação cerebral de áreas que tipicamente servem a uma função cognitiva devem ser modestas, porque essas áreas serão ativadas de forma similar em todos os humanos", explicam Koten Jr. e seus colegas, em artigo publicado na edição desta semana do periódico científico americano "Science". 

 Para o novo estudo, os pesquisadores decidiram olhar o cérebro como um todo. E aí sim conseguiram notar algumas diferenças entre os cérebros dos gêmeos e o de seu irmão não-idêntico -- focadas mais no hemisfério esquerdo do órgão. 


"Nossos achados demonstram que existem diferenças influenciadas geneticamente em padrões de ativação do cérebro, causando diferenças qualitativas em rotas de processamento neurocognitivo", concluem os cientistas.

Na prática, isso quer dizer que pelo menos algumas das características envolvidas com a cognição no cérebro sofrem influência genética. Quais e em que medida, ainda é um mistério a ser esclarecido.