terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

O "espírito humano", segundo Antônio Damásio



"Não existe memória sem emoção"

O português Antônio Damásio, de 65 anos, é considerado um dos neurocientistas mais respeitados da atualidade. Damásio modificou a compreenção que se tem da biologia das emoções e de como elas se relaciona com a memória. Ele  concedeu a seguinte entrevista a VEJA, de sua sala na Universidade do Sul de California, em Los Angeles, onde leciona.

Qual é o papel das emoções no processo de formação e armazenamento da memória?
A emoção modula constantemente a forma como os dados e os acontecimento são guardados na memória. Isso é especialmente verdadeiro no que diz respeito à memória para pessoas e para as características relacionadas a elas. Afinal de contas, a sociabilidade faz parte da nossa memória genética, com a qual nascemos e que é resultado de milhões de anos de evolução.

Como as emoções controlam a momorização?
Grande parte de nossas decisões é tomada de maneira mais ou menos automáticas e inconcientemente. Esse processo é guiado pelo valor que se dá às diversas experiências do passado. Por exemplo, se eu conheço uma pessoa que desperta boas emoções em mim, toda vez que eu a encontrar vou revivier uma memória que se divide em dois aspectos: o cognitivo (saber quem é a pessoa) e o emocional (é alguém de quem se gosta). Tais aspectos guiam a forma como conduzimos a relação com os outros. Não há memória ou tomada de decisão neutras, sem emoção. Hoje já se sabe até em que regiões do cérebro as emoções são processadas.

Que diferencia homens de animais no que se refere a memória?

O que mais distingue a memória humana é a capacidade de ter uma autobiografia. Cada um de nós sabe em grande pormenor e lucidez quando nascemos, quem são os nossos pais ou o nossos amigos, quais são as nossas preferência, o que já fizemos na vida... Enfim, qual é a nossa história. Um chipanzé ou um cão têm isso de forma limitada. Neles, a memória não possui a mesma riqueza de detalhes e abrangência. Essa diferença é amplificada pela linguagem, que é exclusivamente humana. A linguagem é também a capacidade de codificar as memórias não verbais num forma verbal. Isso expande enormemente tudo o que o ser humano é capaz de memorizar.


De que maneira a memória influencia a criatividade e a inventividade?

A grande força da criatividade é, evidentemente, a imaginação. E esta nada mais é que a manipulação de imagens, que podem ser visuais, auditivas, táteis ou olfativas. Essa manipulação depende não só das imagens que alguém capta em determinado momento, como daquelas guardadas no armazém de memórias. A imaginação, portanto, recupera informações que foram gravadas nos circuitos nervosos, onde, com a ajuda da emoção, foram organizadas. Um grande artista ou inventor é alguém que consegue usar a emoção para manipular essas imagens visuais, auditivas, táteis ou olfativas de forma extraordinariamente rica.


É curioso que algo considerado tão transcendente como a arte seja fruto de sinais elétricos e químicos transmitidos por células neurais.

Os neurônios, organizados em circuitos, comunicam-se por meio de reações eletroquímicas. O padrão ou o desenho dos circuitos é o que permite a construção de todas as imagens. Isso vale tanto para o que se passa no mundo exterior - visões ou sons, por exemplo - como para imagens interiores, produzidas e transformadas por um estado emocional. São elas que constituem aquilo que chamamos de espírito humano.

Nenhum comentário: