domingo, 29 de março de 2009

Ver alguém que você inveja levar a pior dá prazer ao seu cérebro

Conclusão é de análise feita com ressonância magnética por japoneses.

Cientistas dizem que sentimentos invejosos são produto de vida social.

Natalie Angier Do 'New York Times'


A maioria dos vícios humanos tem sentido suficiente para ser muito, muito tentadora. Luxúria, gula, preguiça, lançar fortes expletivos a um membro da oposição política, comprar um par de sapatos de pele de cobra com 25% de desconto mesmo que tenha acabado de comprar um par de sandálias vermelho-cereja na semana passada – todas essas coisas são deliciosas, e é por isso que as pessoas precisam ser repetidamente lembradas de não fazer isso.

 

 

Foto: Serge Bloch/NYT

As desgraças dos outros podem ter gosto de mel, diz ditado japonês (Foto: Serge Bloch/NYT)

Um vício, entretanto, dispensa quaisquer enfeites hedônicos e gera tanta dor que você pensaria ser uma virtude, embora não haja nenhum ganho final em massa muscular: a inveja. Escondendo-se em sexto lugar nas listas tradicionais dos sete pecados capitais, entre a ira e a vaidade, a inveja é o profundo e muitas vezes hostil ressentimento que se sente em relação a alguém que tem algo que você quer, como dinheiro, beleza, uma promoção ou a admiração de um colega. É um vício que poucos podem evitar, mas que ninguém anseia, pois experimentar a inveja é se sentir menor e inferior, um perdedor embrulhado em maldade.

"A inveja é corrosiva, feia, e pode arruinar sua vida", diz Richard H. Smith, professor de psicologia da Universidade do Kentucky, que escreveu sobre a inveja. "Se você é uma pessoa invejosa, é difícil apreciar muitas das coisas boas que estão por aí, pois você está ocupado demais se preocupando sobre como elas se refletem em si próprias."

Agora, pesquisadores estão colhendo percepções sobre os interiores neurais e evolutivos da inveja, e por que ela pode parecer uma doença física ou um golpe real. Eles também estão traçando o caminho da igualmente pequena embalagem da inveja, a sensação de "schadenfreude" – sentir prazer quando aqueles que você inveja são levados à lona.

Numa edição recente da revista especializada "Science", pesquisadores do Instituto Nacional de Ciências Radiológicas, no Japão, e seus colegas descreveram exames cerebrais com participantes que tiveram de imaginar a si mesmos como protagonistas de dramas sociais envolvendo personagens com maiores ou menores status de realização. Ao confrontar personagens que os participantes admitiam invejar, as regiões cerebrais envolvidas em registrar a dor física eram estimuladas: quanto mais alto os participantes classificavam sua inveja, mais vigorosamente respondiam as saliências da dor no córtex dorsal anterior e áreas relacionadas. 

Bem feito

Ao mesmo tempo, dizem os pesquisadores, quando os participantes receberam a oportunidade de imaginar a queda do sortudo, os circuitos de recompensa do cérebro foram ativados, novamente em proporção à força da ferroada da inveja: os participantes que sentiram a maior inveja reagiram à desgraça do outro com uma reação mais vigorosa nos centros de prazer de dopamina como, por exemplo, o estriado ventral. "Temos um ditado em japonês: 'As desgraças dos outros têm gosto de mel'" diz Hidehiko Takahashi, o primeiro autor do estudo. "O estriado ventral está processando esse mel."

Matthew D. Lieberman, do departamento de psicologia na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, co-autor de um comentário que acompanha o relato, diz ter se impressionado por como os combinados neurais de inveja e schadenfreude eram amarrados conjuntamente, com a magnitude de um prevendo a força do outro. "É assim que funcionam outros sistemas de processamento de necessidades, como a fome e a sede", diz ele. "Quanto mais fome ou sede você sente, o mais prazeroso será quando você finalmente beber ou comer."

As novas descobertas são preliminares, mas alguns cientistas expressaram reservas sobre o que elas ou outros resultados de exames do dinâmico campo de neurociência comportamental realmente significam. Todavia, a pesquisa lança uma luz sobre uma poderosa emoção que nós negamos ou ridicularizamos, mas ignoramos por nossa conta e risco. Grande parte da recente crise econômica, sugere Smith, pode muito bem ter sido abastecida por inveja fugitiva, à medida que financistas competiam para evitar a vergonha de ser um "mero" milionário. 

Correlatos animais

A inveja pode ser vista em outros animais sociais com reputações pessoais a defender. Frans de Waal, do Yerkes National Primate Research Center em Atlanta, apontou que os macacos eram felizes em trabalhar por fatias de pepino, até que uma pessoa passou a dar recompensas melhores, como uvas, a um dos macacos. Então os outros pararam de trabalhar por pepino e começaram a criar um rancor. "A emoção primária é provavelmente a inveja ou o ressentimento", diz de Waal.

Quando as crianças percebem que têm irmãos, suas vidas se tornam dominadas pela inveja. Por que ela sempre se senta na janela? O pedaço de bolo dele é maior! Sem irmãos? Tudo bem: você pode invejar o gato.

Pesquisadores muitas vezes distinguem entre a inveja e o ciúme que você sente, digamos, ao ver seu amado flertar com outra pessoa numa festa. O ciúme é um triângulo, diz Smith, no qual você teme perder um ser amado para outra pessoa. A inveja é um assunto entre duas pessoas, uma flecha indo de seu seio invejoso ao coração do outro mais favorecido. Embora a inveja seja incansável e gregária, podendo abraçar facções populares, a honra gira e completa Estados-nações. "É um fato da vida que prestemos muita atenção ao status, a quem está indo bem e quem não está, e como parecemos em comparação a outros", diz Colin W. Leach, professor associado de psicologia na Universidade de Connecticut, em Storrs, que estuda a inveja.

Como regra, invejamos aqueles que são como nós em muitas maneiras – sexo, idade, classe e currículo. Ceramistas invejam ceramistas, observou Aristóteles. Paradoxalmente, essa indução de emoções principalmente social tem sua confissão entre as menos socialmente aceitáveis. Hostilidade ciumenta a um rival romântico é um tópico aceitável para conversação. Hostilidade invejosa a um rival profissional é mais como uma função corporal constrangedora: por favor, não compartilhe. Quando questionados por pesquisadores sobre sua inveja, participantes de estudos disseram: "Estou secretamente envergonhado de mim mesmo."

Da forma como os cientistas evoluciotivos a veem, as características importantes da inveja – a persistência e universalidade, sua fixação com o status social e o fato de coexistir com a vergonha – sugerem o desempenho de um profundo papel social. Elas propõem que nossos impulsos individuais podem ajudar a explicar por que os humanos são comparativamente menos hierárquicos que muitas espécies primatas, mais inclinados a um igualitarismo bruto e a se rebelar contra reis e magnatas que conseguem mais do que sua parte justa.

A inveja também pode nos ajudar a manter a linha, nos tornando tão desesperados para parecermos bem que tomamos a estrada correta e começamos a agir bem. Lutamos com nossa inveja particular, nossos anseios por mais estima, e a luta só aguça o doloroso contraste entre a suposta perfeição do adversário, que santificamos num trono imaginário e a mercadoria defeituosa que somos nós mesmos.

"Se você deseja a glória, pode invejar Napoleão", disse Bertrand Russell. "Mas Napoleão invejava César, César invejava Alexandre, e Alexandre, ouso dizer, invejava Hércules, que nunca existiu." Se a inveja é um imposto cobrado pela civilização, todos precisam pagar.

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