segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Instituto em Natal abre mais um centro e lança 'câmpus do cérebro'

Unidade de primatologia é a nova etapa do projeto dos cientistas brasileiros Miguel Nicolelis e Sidarta Ribeiro
Daniel Piza
Os motoristas de táxi de Natal (RN) ainda não sabem onde fica, mas o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) está no mapa-múndi científico. Já tem um centro de pesquisas, uma escola na capital e outra em Macaíba (a 20 km de Natal), onde em breve haverá outro centro de pesquisas. No terreno em frente, erguerá até 2010 o “câmpus do cérebro”, com mais 25 laboratórios e uma escola regulamentar para mil alunos. “A gente já provou que é capaz de atrair recursos e produzir ciência aqui”, comemora Sidarta Ribeiro, diretor de pesquisas.
O instituto é um sonho realizado do neurocientista Miguel Nicolelis e de seu ex-aluno Sidarta gestado há cerca de cinco anos. Ativo desde o ano passado, já reúne mais de 30 pesquisadores vindos de vários Estados e de outros países, como Chile e Portugal.
Os laboratórios estão conectados em rede com outros dois que Nicolelis dirige, na Universidade Duke (Carolina do Norte, EUA) e em Lausanne (Suíça), e com o do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. As instalações têm padrão internacional e, em alguns casos, até mais espaço do que um equivalente americano ou europeu.
Em paralelo, o instituto também abriu a Escola Alfredo J. Monteverde num bairro de Natal de nome significativo, Cidade Esperança, onde são dados cursos de ciência e tecnologia para crianças e adolescentes de escolas públicas. Nicolelis fez questão de que o centro de pesquisa viesse associado a um projeto educacional. “Nada melhor do que o método científico para tornar a educação mais agradável”, diz o presidente do instituto.
Para chegar até aqui, porém, os tormentos foram muitos. Sidarta, que mora em Natal há dois anos e meio, conta que chegou a ficar com falhas na barba tal o estresse que passaram para abrir o instituto no bairro da Candelária, próximo ao centro da cidade. “Na verdade, isto aqui é o plano C”, diz. “O plano A era construir o câmpus do cérebro no terreno que a universidade (Federal do Rio Grande do Norte, UFRN) nos doou em 2003. Mas, como tudo era demorado, decidimos alugar este prédio em Natal para começar o trabalho. Depois veio o plano B, que é o centro de pesquisa que vamos inaugurar em Macaíba, dentro do terreno da Escola Agrícola da UFRN.”
Inovação
Burocracia dificultou início do trabalho no RN
Importação de equipamentos esbarrou em entraves burocráticos, greves alfandegárias e impostos altos
Daniel Piza
As demoras para concretizar o sonho do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) deveram-se a vários fatores. Faltavam, por exemplo, incentivos para investimentos privados. O Rio Grande do Norte era um dos poucos Estados que não tinham uma fundação de amparo à pesquisa, o que passou a ter mais tarde.
A importação de equipamentos da Universidade Duke - cujos laboratórios são dirigidos por Miguel Nicolelis, cientista que idealizou o instituto - esbarrou em uma série de entraves burocráticos, greves alfandegárias e impostos altos. A estrada até o futuro câmpus só começou a ser construída agora, depois de licitação.
“Vivemos situações absurdas”, resume Sidarta Ribeiro, diretor de pesquisas do instituto. “No Brasil é besteira fazer uma compra em outubro. Você paga, mas a liberação oficial leva três meses e, como antes de março nenhuma compra pode ser feita, o equipamento só chega seis meses depois do pagamento. O jeito é esperar o carnaval passar.” Ele conta seu desespero quando 14 cérebros de rato vindos do Chile foram entregues no aeroporto, mas não havia refrigerador para evitar que descongelassem.
Sidarta mostra com ânimo o prédio em Macaíba onde o centro de primatologia do instituto começará a funcionar, provavelmente em junho. Há sala de cirurgia, laboratório de biologia molecular, arena para os sagüis (onde também será estudada a comunicação entre eles), auditório para 120 pessoas (haverá um curso de altos estudos com 24 professores estrangeiros em julho), uma câmara fria e salas de computador. Tudo pronto, em modernas instalações. Mas a inauguração depende da liberação da alfândega e da autorização do Ibama para o envio de animais. Há previsão? Sidarta dá um sorriso irônico. “As previsões nunca se concretizam.”
Agora ele e Nicolelis acham que “o pior já passou”. Sidarta, de 37 anos, não esconde sua satisfação em estar, “pela primeira vez na vida”, à frente de um laboratório bem equipado e “cheio de funcionários”. De papete e já usando “pronto” em quase todas as falas, está ambientado. Até já dá aulas - de capoeira. Na unidade de Natal, mostra cada um dos laboratórios, além dos biotérios. Destaca a sala da coordenadoria científica, onde se faz o “lab management” (a gestão dos laboratoristas), “algo que não existia no Brasil”. Mostra os eletrodos de tungstênio manufaturados no próprio instituto, que estuda sua biocompatibilidade ao implante em seres vivos.
O instituto também pesquisa a interface cérebro-máquina, principal linha de Nicolelis, e vai estudar o mal de Parkinson. Nos corredores estão pendurados cartazes plásticos com resumo dos principais artigos científicos escritos por Nicolelis com Sidarta e outros membros da rede.
Ter ao menos essa dupla de cientistas renomados ajuda o instituto a crescer - e a atrair pesquisadores como a bióloga Catia Mendes Pereira. Formada na Escola Paulista e bolsista do CNPq, ela abraçou com entusiasmo o projeto de Natal, para onde veio com marido e filhos no ano passado. “Era uma experiência pessoal e profissional bem atraente, sobretudo por trabalhar com nomes tão importantes.”
Aulas de ciência para não ser conformista
Nas escolas do instituto em Natal, jovens estudantes descobrem o prazer de aprender as várias disciplinas
Daniel Piza
Os cursos científicos para estudantes das escolas públicas de Natal não são um detalhe no trabalho do Instituto Internacional de Neurociências, um apêndice social para a boa imagem do centro de pesquisa. São, na verdade, a outra perna que o sustenta. “Aqui o aluno aprende a duvidar, a questionar, a defender seu ponto de vista”, diz a diretora de projetos e ações sociais do instituto, Dora Montenegro. “A ciência é usada para ele estruturar o pensamento a não ser conformista. O conteúdo é meio, não fim.”
Nas duas unidades da Escola Alfredo J. Monteverde, uma em Natal e a outra em Macaíba, é isso que se vê. Os alunos, que são escolhidos por sorteio entre os inscritos das escolas da região, aprendem com mais prazer e participam mais das aulas.
Eles fazem do 6º ao 9º ano regulamentar num período; duas vezes por semana no outro período, durante três horas e meia cada dia, vêm cursar ao menos duas disciplinas por semestre.
Sem pichação
Em Natal, onde estudam 600 alunos, há laboratórios de biologia, química, física e eletrônica e oficinas de “ciência & arte”, história e robótica. Os estudantes mais velhos também ajudam a fabricar instrumentos e objetos. A escola tem microscópios, computadores e até telescópio, entre muitos outros equipamentos. “Aqui não há pichação, não há brigas. A gente vê no rosto deles que gostam de estar aqui”, diz Dora Montenegro.
A estudante Amália Caroline, de 13 anos, que cursa o 8º ano em sua escola, diz o mesmo: “Aqui eu aprendo mais. Gosto muito de física, por exemplo, que antes eu achava que era chato.”
Na unidade de Macaíba, com 400 alunos, há oficinas sobre identidade regional, eletrônica e “ciência & movimento”. Nas paredes dos corredores, vemos desenhos que ilustram como teria sido o Big Bang, a origem do universo. A idéia é que muitos desses adolescentes possam um dia ocupar as paredes dos centros de pesquisa com muitos trabalhos originais.



Entrevista

Para cientista, entrada de equipamentos no País é complicada e as leis não atendem o transporte de animais de pesquisa
Daniel Piza
Se o cérebro funciona como “uma democracia de neurônios”, em sua própria frase, Miguel Nicolelis, de 47 anos, é um de seus maiores cientistas políticos. Colegas dizem que há um cérebro “antes de Nicolelis” e outro “depois de Nicolelis”. Fez demonstrações empíricas sobre a dinâmica dos neurônios, desenvolveu um modelo para entendê-la e passou a criar máquinas de interface que permitem que o cérebro as opere à distância. Graças a ele, é possível seqüenciar muito mais neurônios por mais tempo. Tal descoberta o pôs na lista de candidatos ao Prêmio Nobel.
Médico e cientista paulistano, o presidente do Instituto de Neurociências de Natal passa a vida em laboratórios e hotéis. Na semana retrasada, estava na Coréia do Sul. No domingo, estava no Palestra Itália vendo seu time ser campeão paulista e, na última quarta, falava da Carolina do Norte por celular com o Estado. Ele defende mudanças na política científica do Brasil.
Com base na experiência dos últimos cinco anos, em que houve problemas burocráticos e alfandegários, o que o sr. sugere para que o apoio a iniciativas como essa (do instituto) seja melhor no Brasil?
Há muitas mudanças a fazer na estrutura, principalmente federal, e no trâmite. A entrada de equipamentos, insumos e animais é muito complicada. Parece feita para não funcionar, tal o emaranhado de lei e a burocracia kafkiana. Nossas leis são de 30 anos atrás. São para animais domésticos, para levar cachorro na viagem. Não atendem o transporte de animais de pesquisa. Os prazos são longos. Isso explica por que coisas dessa magnitude em geral não vingam no País. Todos os dias temos razões para desistir, mas não desistimos. O resultado é impressionante, principalmente ver crianças decolando para entender a ciência.

De onde vieram os recursos?
Nossos recursos foram 70% privados até aqui. E eles têm um impacto que não é apenas científico, mas também social. Precisamos de mais leis que favoreçam o investimento privado em pesquisa. No mundo atual, as empresas que se destacam são aquelas que investem de 1% a 5% de seu faturamento em inovação, em pesquisa. Assim como existem leis de incentivo à cultura e ao esporte, deveríamos ter uma para a ciência. E menos burocracia. Os fundos setoriais são insuficientes.

Escolher Natal para sair do “eixo” Rio-São Paulo e estar num lugar atraente para pesquisadores estrangeiros foi acertado?
Foi a escolha correta, sem dúvida. Sempre quisemos descentralizar a ciência no Brasil, sair do Sudeste. Por isso, temos vontade de levar a experiência de Natal para outros Estados do Norte e do Nordeste. Queremos enraizar e emancipar esse projeto.

Por que fez questão de incluir projetos educacionais?
Sempre fui a favor de um modo diferente de fazer ciência, não dissociada da realidade, não abstrata, mais compreensível, mostrando seu impacto na vida das pessoas. E nada melhor do que o método científico para tornar a educação mais agradável, em vez de uma coleção de fatos não correlacionados. A criançada ali registra o ambiente onde vive e o País de uma maneira que não é enfadonha, que é divertida, até porque é feita em grupos.

Entre as linhas de pesquisa do instituto, há seu trabalho com interface homem-máquina. Que contribuições os laboratórios de Natal podem trazer, sem ser coadjuvante de Duke, Lausanne ou do Sírio?
Muitas. Ele vai colaborar de igual para igual com a rede. Em certas áreas ele estará à frente dos outros, num papel de liderança, não à margem. Descobertas já estão sendo feitas ali. Um centro de primatas como o que vamos inaugurar daqui a dois meses é raro mesmo nos EUA.

O sr. está escrevendo um livro?
Estou escrevendo três livros. Um sobre minha teoria; chegou a hora de fazer a síntese dos meus 20 anos de pesquisa. O outro é para divulgá-la para um público amplo. E o terceiro é relato do empreendimento de Natal.
Como o sr. vê descrições do seu trabalho como “manipulação de robôs pela força do pensamento”?
O problema é que o pensamento não tem força; não dá para medi-la (risos). Minha visão é muito diferente. O que consegui foi mostrar que era possível decodificar em outra ordem de grandeza os sinais cerebrais, as atividades elétricas, e daí veio o trabalho com as interfaces. Meus colegas desconfiavam, mas hoje estão reconhecendo que é possível. Já podemos pensar numa terapia com interfaces para pacientes neurológicos. Estamos perto.

Qual é sua visão da consciência, por exemplo, em comparação com a de um Gerald Edelman (biólogo vencedor do Nobel de 1972)?
Ambos acreditamos que nos últimos 20 anos a neurociência deu um salto com a tecnologia de imagens e os estudos evolucionistas. Mas ele tem uma visão reducionista. Mostrei que o cérebro funciona por populações neurais, não por regiões anatômicas. Ele estudou os neurônios isolados. Trabalhou com poucos dados, então não consegue se desvencilhar dos princípios fisiológicos. É uma visão darwinista, mas não de modo complexo. Para mim, o cérebro tem papel de liderança em relação ao corpo.
E a de Antonio Damásio (neurologista português)?
O Damásio é um excelente pesquisador, mas acho sua visão tradicional. Ele está preso ao dogma do século 20, a teoria da localização (funções cerebrais executadas em regiões específicas). O cérebro é muito mais participativo, plástico, com funções mais distribuídas. A distinção de áreas anatômicas não é tão nítida.

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