segunda-feira, 31 de maio de 2010

Religião é componente genético, afirma autor


Britânico Nicholas Wade, autor do livro The Faith Instinct, defende que a seleção natural privilegiou os humanos religiosos

por Érika Kokay
Editora Globo
Nicholas Wade, repórter especializado em ciência do New York Times, juntou religião e as ideias evolutivas de Darwin - duas coisas aparentemente opostas. Em seu livro: The Faith Instinct (O Instinto de Fé, sem edição no Brasil), defende que a religiosidade é um comportamento universal humano, presente em todas as sociedades, e provavelmente moldada pela seleção natural em milhares de anos. Para ele, todos nós temos um instinto religioso, que nos faz querer ter fé.

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A relação do repórter com a religiosidade começou no Eton College, no condado inglês de Buckingham. Fundada pelo rei da Inglaterra Henrique VI, a escola manteve seu currículo quase intacto ao longo dos mais de 500 anos que separam sua fundação, em 1440, do ingresso de Nicholas Wade, durante o colegial. Devido à grade secular, ele aprendeu latim e grego, estudou diversas religiões e frequentava a igreja duas vezes ao dia, exceto aos domingos. “Eu acho que essa familiaridade com os hinos e com a liturgia da Igreja da Inglaterra me fez apreciar a religião e me ajudou a entender porque ela tem sido uma força tão poderosa ao longo da história”, diz Wade.

Em seu livro, ele reúne citações de antropólogos, sociólogos, economistas, historiadores, psicólogos, teólogos para mostrar ao mundo com quanto de fé se constrói um homem. Nicholas Wade conversou conosco sobre seu livro - que é de ciência, segundo ele. “Enquanto a base genética para o comportamento religioso existir, as pessoas estarão inclinadas em relação à religião”, ele destaca. Confira a entrevista

Seu livro é um livro religioso ou um livro de ciência?
Olho para a religião a partir da perspectiva da ciência e, mais especificamente, da teoria da evolução. Portanto, é um livro de ciência - um livro de ciência sobre a religião.

Há quanto tempo o homem é religioso?
Toda sociedade humana conhecida tem alguma forma de religião. Desde que a religião é como um comportamento distintivo, é altamente improvável que cada sociedade tenha desenvolvido sua religião de forma independente. Religião deve ter sido um dos comportamentos que as sociedades humanas herdaram da população ancestral antes que estas se dispersassem por todo o globo. Como a dispersão da população humana moderna ocorreu há cerca de 50 mil anos, a religião deve existir há pelo menos esse tempo.

E quando ela teve início? Ninguém sabe. Os rituais religiosos, com base em danças e cantos sem palavras, poderiam ter existido antes mesmo da linguagem. Mas a data em que a linguagem evoluiu também é desconhecida, só se sabe que foi depois de nos separarmos dos chimpanzés, há 5 milhões de anos, e antes da dispersão da população humana moderna, há 50 mil anos.

As religiões podem estar conectadas em um ponto de origem comum? A população ancestral humana era muito pequena, houve um ponto em que não éramos mais de 5.000 pessoas. Pode ser que, nesta época, existisse uma religião única, a partir da qual todas as religiões de hoje são descendentes.

E por que isso é importante? Novas religiões são formadas quando uma seita se separa de uma religião-mãe, e isso significa que, em um princípio, todas as religiões do mundo podem estar postas em uma única árvore de descendência. Isto é importante porque mostra a unidade da religião. Também nos ensina a olhar para as ligações históricas entre as religiões, que os autores religiosos podem ter tido o cuidado de ocultar. O Islã, por exemplo, pode ter raízes profundas no cristianismo, mas não é evidente.

A religiosidade trouxe benefícios à evolução dos seres humanos? A religião resolveu, de forma muito eficiente, um problema difícil: como o nosso cérebro cresceu, cada indivíduo pode calcular melhor o seu próprio interesse e colocá-lo à frente do interesse do grupo. Mas uma sociedade em que todos colocam seu próprio interesse em primeiro plano se fragmentará brevemente.

A religião era uma maneira de dar coesão ao grupo. Com cânticos e rituais, fez com que todos se comprometessem com as regras, que foram criadas para promover comportamentos que ajudariam o grupo. Este compromisso não foi uma promessa ou uma intenção consciente. O compromisso criado pela religião é profundo, emocional, e muito mais difícil de ser ignorado. Grupos ligados à religião tiveram um forte tecido social, e seus membros estavam mais dispostos a defendê-los, mesmo a sacrificar suas próprias vidas na batalha por aquela religião.

E como a seleção natural está ligada a isso?
Os primeiros humanos eram bastante territoriais e agressivos. Nesta circunstância, a seleção natural teria favorecido os grupos mais religiosos, uma vez que tinham um grupo mais coeso, mais unido, e conseguiram prevalecer mais vezes contra os seus inimigos. Por fim, os genes para os comportamentos religiosos se tornaram universais na população humana inicial.

Essa teoria da seleção natural vem sido criticada por muitos cientistasOs seres humanos são animais altamente sociais, e sua sociabilidade deve ter evoluído de alguma forma. Mas a sociabilidade - o que significa colocar os interesses da sociedade à frente do próprio interesse - constitui um sério desafio para a teoria evolutiva, uma vez que qualquer esforço para ajudar outras pessoas prejudica os esforços para resolver as próprias necessidades.

Os biólogos evolucionistas não estão de acordo com a resposta a esta questão, então eu não posso resolvê-la. Mas eu acho que a seleção natural pode favorecer grupos, assim como indivíduos. A ideia foi proposta inicialmente pelo próprio Darwin, embora seja impopular no momento. Alguns biólogos, como E. O. Wilson (vencedor de dois Pulitzer e apontado pela Time em 1995 como uma das 25 pessoas mais influentes dos Estados Unidos), já se manifestaram a favor da seleção de grupos e espero que ela se torne mais difundida no futuro.

Por que algumas religiões sobreviveram – e se tornaram dominantes – e outras não?
É difícil separar o que molda uma sociedade bem-sucedida do que molda uma religião bem-sucedida. É claro que as duas coisas estão ligadas. Uma religião que molda a sua sociedade com mais coesão se espalha melhor em detrimento de outras; em primeiro lugar dentro da sociedade e, em seguida, conquistando outras sociedades.
Dentro do Império Romano, por exemplo, o cristianismo mostrou-se mais atraente do que a religião romana tradicional. Uma vez adotado como religião oficial, o destino do cristianismo estava ligado ao do Império Romano. O Islã propagou-se no interior das áreas conquistadas pelos árabes. O judaísmo não é uma religião do Império, mas sobreviveu por causa da tenacidade com que seus seguidores a abraçaram. Os judeus, por sua vez, não teriam sobrevivido sem a sua religião.

Você acredita que o tempo mudou o tipo de religião que as pessoas precisam? 
Sim, as religiões tradicionais parecem estar perdendo sua influência, certamente na Europa.

Por que então as pessoas ainda têm o desejo de acreditar em algo?
As pessoas ainda têm o desejo de acreditar porque um instinto para o comportamento religioso foi incorporado pela evolução no circuito neural do cérebro - este é o principal argumento do livro. Assim, mesmo as pessoas que não acreditam nas religiões tradicionais vão buscar a iluminação espiritual de outras formas.

Então, há um ponto de vista que diz que a religiosidade é boa, mesmo se Deus não existir?
Se você acredita que a religião é uma força coesa, como eu, então a religião foi certamente boa para a maioria das sociedades no passado e ainda pode ser importante hoje.

Finalmente, qual é o futuro da religião?
Enquanto a base genética para o comportamento religioso existir, as pessoas estarão inclinadas em relação à religião e as sociedades farão uso desta tendência. No entanto, a intensidade do comportamento religioso pode subir ou descer, dependendo de outras circunstâncias. Em países de estado de bem-estar social, como a Suécia, as pessoas podem não ver muita necessidade da religião, mas o instinto ainda está lá, e a religião pode se tornar mais popular no futuro. Fora da Europa, grande parte do mundo (incluindo os Estados Unidos) ainda é muito religiosa, e há pouca base para prever que, em breve, a religiosidade irá desaparecer. 

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