domingo, 28 de junho de 2009

Alex e noz

Livro recém-lançado no Brasil conta a história do papagaio mais inteligente do mundo e de um campo de pesquisa em crise
Mike Lovet/Universidade Brandeis



Alex, o Einstein dos papagaios, que em 30 anos de treinamento aprendeu a contar até seis

CLAUDIO ANGELO


Quero noz. Nnn... óo...zzz."

Depois de muito pedir à sua treinadora, que insistia em tentar fazê-lo associar cores a sons num teste cognitivo, Alex perdeu a paciência. Sem que ninguém lhe ensinasse, soletrou a palavra, para deixar claríssimo a Irene Pepperberg que ele não queria fazer teste nenhum. Queria noz.
Alex era um papagaio cinzento africano. Seus 30 anos de treinamento por Pepperberg deram à ciência um vislumbre inédito da inteligência animal e mudaram o sentido da expressão "cérebro de passarinho".

A história de Alex e de sua treinadora chega pela primeira vez ao leitor brasileiro. Acaba de ser lançado "Alex e Eu", uma espécie de livro de memórias da pesquisadora americana, que mistura as biografias dela e da ave com preciosas pitadas de ciência -e muito chororô.

Concebido para ser uma homenagem póstuma a Alex, morto em 2007, o livro acaba ganhando um tom de catarse psicanalítica de Pepperberg. Ela descarrega as frustrações de sua infância infeliz na periferia de Nova York, de sua relação com a mãe que a detestava, reclama do machismo na academia, do ex-marido e do emprego de verdade que nunca arrumou, mesmo depois que Alex adquiriu status de celebridade científica mundial.

O que poderia ser uma excelente obra sobre comportamento animal para o grande público acaba virando apenas uma boa obra sobre comportamento de dois animais (o papagaio e sua treinadora), que frequentemente resvala para o melodrama. Ainda assim, o livro vale, hã... a pena.

Pepperberg adquiriu Alex ainda filhote, em uma loja de animais em Chicago. Perdida após um doutorado em química analítica no MIT, estava disposta a estudar cognição em aves usando a técnica do modelo-rival, desenvolvida nos anos 1970 para ensinar a linguagem humana a chimpanzés.

A técnica consistia não em ensinar diretamente ao animal, mas em fazê-lo observar um outro ser humano responder a perguntas e ser recompensado ou repreendido.

Ninguém imaginava que essa técnica pudesse funcionar com papagaios. Afinal, chimpanzés e humanos têm cérebros semelhantes e estão separados por apenas 6 milhões de anos de evolução. Papagaios têm um cérebro do tamanho de uma noz e seu último ancestral comum com os seres humanos tem 380 milhões de anos.

Banareja
Com Alex funcionou. O papagaio aprendeu conceitos de cor, forma e números. Surpreendia a treinadora fazendo o uso correto de "desculpa" e "não", soletrando palavras simples e até mesmo combinando conceitos. Numa das passagens mais divertidas do livro, Pepperberg conta como Alex, depois de aprender a falar "rolha" e "noz" passou a chamar amêndoa de "rolha noz". Ela uma vez apanhou a si mesma num supermercado perguntando onde ficavam as "rolhas nozes".
Em outra história, que já entrou para o folclore da etologia, Pepperberg e seus colaboradores estão para apresentar a Alex a fruta e a palavra "maçã". Depois de meses, um belo dia o papagaio dispara: "Banareja. Quero banareja". "Não, Alex, maçã", retrucou Pepperberg. "Banareja", treplicou a ave.

Aparentemente Alex havia fundido dois conceitos conhecidos, "banana" e "cereja", para nomear a nova fruta, que afinal era vermelha por fora e branca por dentro. A pesquisadora, no entanto, nunca conseguiu prova científica dessa elisão léxica.

A morte precoce de Alex deixa sem resposta várias perguntas sobre qual é o limite da cognição das aves. Mas, mais do que isso, ela põe em xeque esse campo de estudos e as carreiras de cientistas que passaram décadas fazendo um esforço monumental para ensinar bichos e obter resultados modestos.

Exceção?
Alex era um gênio, sem dúvida -mas mesmo assim levou 30 anos para aprender a contar até seis. Mas e os outros papagaios? Pepperberg treinou mais dois, Griffin e Wart, que nunca chegaram nem perto das habilidades do Einstein emplumado (Alex, aliás, não perdia uma oportunidade de humilhá-los no laboratório, dizendo: "Fale claramente!"). Outros animais, como o bonobo Kanzi e a gorila Koko, também adquiriam um certo vocabulário, mas pareciam incapazes de linguagem autônoma.

Baseado em 15 anos de experiência própria com comunicação animal e no histórico frustrante desses estudos, o psicólogo americano Marc Hauser chegou a propor que não adianta buscar nos animais as raízes da cognição do Homo sapiens -esta se desenvolveu recentemente, nos últimos 6 milhões de anos, embora a inteligência geral seja compartilhada.

Segundo Hauser, enquanto a inteligência humana se assemelha à luz de uma lâmpada, na qual a capacidade de resolver um problema é aplicada a outros, os outros animais têm uma inteligência de raio laser, direcionada a desafios específicos -como obter comida.

Por mais eloquente que fosse, no fim das contas Alex talvez só estivesse tentando descolar uma noz.

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