Pesquisa mostra que sonhar pode ser muito mais útil que prever qual será o próximo jogo da Mega Sena.
O Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra acaba de lançar uma ponte entre as pouco comunicáveis neurociências e a psicanálise. Estudando a relação entre sonho, aprendizado e memória, o pesquisador André Pantoja tem encontrado fortes indícios científicos de que muitos dos pensamentos que Sigmund Freud formulou no final do século 19 não só estão corretos, como podem ser usados para melhorar a vida das pessoas.
Não é pouca coisa. Até agora, a maioria dos neurocientistas considera o sonho uma atividade cortical aleatória, provocada pela descarga difusa e não coordenada de vários neurônios, sem qualquer função.
Mesmo o sono era considerado apenas um descanso para o corpo até bem pouco tempo. Influenciadas por essa idéia e pelas promessas de lucro e produtividade do capitalismo, as pessoas associaram sono à perda de tempo e começaram a dormir cada vez menos. O sonho foi esquecido. "Então, o índice de doenças como depressão e os transtornos da ansiedade, que tinham como causa a privação de sono, aumentaram", conta Pantoja.
A importância do sono para o bom funcionamento cerebral hoje está bem estabelecida, mas pouco se sabe ainda sobre a influência do sonho sobre essas funções. As pesquisas ainda são parcas e inconsistentes, já que muitas vezes dependem apenas do relato de voluntários.
Pantoja fez algo diferente. Ele usou um laboratório do sono para comparar o que acontece no cérebro das pessoas quando elas executam uma tarefa e quando repetem essa tarefa depois de dormir. E encontrou relação entre o conteúdo do sonho (onírico) e o desempenho dessas pessoas.
Com a ajuda dos alunos de iniciação científica Dayara, Luciana e Ronkaly, todos da UFRN, Pantoja mapeou o traçado eletroencefalográfico de 22 sujeitos que dormiram no laboratório do sono com a cabeça repleta de eletrodos por duas noites. Na segunda noite, antes e depois de dormir, eles se divertiram no computador com o Doom, um jogo simples que envolve perseguição, mortes, monstros e labirintos.
Antes, porém, a equipe fazia uma lista com tudo o que a pessoa havia feito durante o dia. As impressões sobre o jogo e o ambiente - um quarto climatizado com uma confortável cama de casal, um computador e um quadro com um navio pendurado na parede - também foram quantificadas. Elas eram filmadas enquanto jogavam, para análise do desempenho motor, e enquanto dormiam, por uma câmera infra-vermelha.
Para aumentar a probabilidade de lembrança do sonho, Pantoja despertava os sujeitos minutos antes do horário habitual, coincidindo com último ciclo do sono REM (Movimento Rápido dos Olhos, em inglês), aquele em que acontecem os sonhos mais complexos, e fazia sempre a mesma pergunta: "O que está passando pela sua mente?"
Vinte dos 22 sujeitos relataram sonhos quando foram acordados e 18 destes sonharam com elementos do jogo. Com isso, o pesquisador já respondia a duas perguntas importantes e ainda não esclarecidas: "As pessoas sonham todas as noites? e "esses sonhos têm a ver com o que fez durante o dia?". A resposta para as duas é: provavelmente, sim.
Mas o que animou o grupo do Instituto foi a resposta da terceira pergunta: "Os sonhos são aleatórios?". De maneira inédita, na ciência mundial, Pantoja conseguiu não apenas estabelecer correlação entre o conteúdo do sonho e o desempenho, mas construir uma curva de aprendizagem, em que a quantidade do sonho se relaciona ponto a ponto com o desempenho até começar a cair, sugerindo que uma "overdose" de sonho também pode ser prejudicial para a aprendizagem.
O achado é tão novo e surpreendente que a equipe pretende submetê-lo a uma das revistas científicas mais importantes do mundo, que Pantoja prefere não revelar. Caso seja aceito, será a primeira vez que uma pesquisa feita no Rio Grande do Norte aparecerá em um catálogo mundial das grandes descobertas. Bingo.
Mas Pantoja vai além. Ele acredita que, se as pessoas prestarem mais atenção aos seus sonhos, poderão perceber "conselhos" que as ajudarão a viver melhor. Não se trata de relacionar perda de dinheiro com dente caído, por exemplo, mas entender as soluções (ou insights) que apenas em estado de inconsciência um cérebro pode chegar. "No sonho, você não vai achar a chave de todos os mistérios, mas do seu mistério", explica.
Para isso, o neurocientista defende que cada pessoa mantenha um sonhário - ou diário dos sonhos, e registre o que se passou em suas mentes enquanto dormia. Com o treino, lembrar dos sonhos se tornaria algo espontâneo. O próximo passo seria aprender a interpretar o conteúdo dos sonhos, usando-os em seu benefício, e mais: conseguir interferir no seu enredo, através do sonho lúcido (aquele em que a pessoa está semi-inconscicente), cujo estudo vem sendo comandado por outro cientista do Intituto, Sérgio Rolim. "Você, cineasta do sonho. Ninguém mais vai querer ficar acordado", brinca Pantoja.
Pode parecer estranho ouvir um neurocientista falar tão à vontade sobre teorias que até agora estão afastadas do rigor científico das ciências naturais. Pantoja faz parte do grupo de neuropsicanálise de Sidarta Ribeiro, que procura diminuir a distância entre as ciências da alma e do corpo, separadas pela ciência ocidental há quase cinco séculos. Com sua descoberta, o conhecimento humano dá um passo à frente.
Não é pouca coisa. Até agora, a maioria dos neurocientistas considera o sonho uma atividade cortical aleatória, provocada pela descarga difusa e não coordenada de vários neurônios, sem qualquer função.
Mesmo o sono era considerado apenas um descanso para o corpo até bem pouco tempo. Influenciadas por essa idéia e pelas promessas de lucro e produtividade do capitalismo, as pessoas associaram sono à perda de tempo e começaram a dormir cada vez menos. O sonho foi esquecido. "Então, o índice de doenças como depressão e os transtornos da ansiedade, que tinham como causa a privação de sono, aumentaram", conta Pantoja.
A importância do sono para o bom funcionamento cerebral hoje está bem estabelecida, mas pouco se sabe ainda sobre a influência do sonho sobre essas funções. As pesquisas ainda são parcas e inconsistentes, já que muitas vezes dependem apenas do relato de voluntários.
Pantoja fez algo diferente. Ele usou um laboratório do sono para comparar o que acontece no cérebro das pessoas quando elas executam uma tarefa e quando repetem essa tarefa depois de dormir. E encontrou relação entre o conteúdo do sonho (onírico) e o desempenho dessas pessoas.
Com a ajuda dos alunos de iniciação científica Dayara, Luciana e Ronkaly, todos da UFRN, Pantoja mapeou o traçado eletroencefalográfico de 22 sujeitos que dormiram no laboratório do sono com a cabeça repleta de eletrodos por duas noites. Na segunda noite, antes e depois de dormir, eles se divertiram no computador com o Doom, um jogo simples que envolve perseguição, mortes, monstros e labirintos.
Antes, porém, a equipe fazia uma lista com tudo o que a pessoa havia feito durante o dia. As impressões sobre o jogo e o ambiente - um quarto climatizado com uma confortável cama de casal, um computador e um quadro com um navio pendurado na parede - também foram quantificadas. Elas eram filmadas enquanto jogavam, para análise do desempenho motor, e enquanto dormiam, por uma câmera infra-vermelha.
Para aumentar a probabilidade de lembrança do sonho, Pantoja despertava os sujeitos minutos antes do horário habitual, coincidindo com último ciclo do sono REM (Movimento Rápido dos Olhos, em inglês), aquele em que acontecem os sonhos mais complexos, e fazia sempre a mesma pergunta: "O que está passando pela sua mente?"
Vinte dos 22 sujeitos relataram sonhos quando foram acordados e 18 destes sonharam com elementos do jogo. Com isso, o pesquisador já respondia a duas perguntas importantes e ainda não esclarecidas: "As pessoas sonham todas as noites? e "esses sonhos têm a ver com o que fez durante o dia?". A resposta para as duas é: provavelmente, sim.
Mas o que animou o grupo do Instituto foi a resposta da terceira pergunta: "Os sonhos são aleatórios?". De maneira inédita, na ciência mundial, Pantoja conseguiu não apenas estabelecer correlação entre o conteúdo do sonho e o desempenho, mas construir uma curva de aprendizagem, em que a quantidade do sonho se relaciona ponto a ponto com o desempenho até começar a cair, sugerindo que uma "overdose" de sonho também pode ser prejudicial para a aprendizagem.
O achado é tão novo e surpreendente que a equipe pretende submetê-lo a uma das revistas científicas mais importantes do mundo, que Pantoja prefere não revelar. Caso seja aceito, será a primeira vez que uma pesquisa feita no Rio Grande do Norte aparecerá em um catálogo mundial das grandes descobertas. Bingo.
Mas Pantoja vai além. Ele acredita que, se as pessoas prestarem mais atenção aos seus sonhos, poderão perceber "conselhos" que as ajudarão a viver melhor. Não se trata de relacionar perda de dinheiro com dente caído, por exemplo, mas entender as soluções (ou insights) que apenas em estado de inconsciência um cérebro pode chegar. "No sonho, você não vai achar a chave de todos os mistérios, mas do seu mistério", explica.
Para isso, o neurocientista defende que cada pessoa mantenha um sonhário - ou diário dos sonhos, e registre o que se passou em suas mentes enquanto dormia. Com o treino, lembrar dos sonhos se tornaria algo espontâneo. O próximo passo seria aprender a interpretar o conteúdo dos sonhos, usando-os em seu benefício, e mais: conseguir interferir no seu enredo, através do sonho lúcido (aquele em que a pessoa está semi-inconscicente), cujo estudo vem sendo comandado por outro cientista do Intituto, Sérgio Rolim. "Você, cineasta do sonho. Ninguém mais vai querer ficar acordado", brinca Pantoja.
Pode parecer estranho ouvir um neurocientista falar tão à vontade sobre teorias que até agora estão afastadas do rigor científico das ciências naturais. Pantoja faz parte do grupo de neuropsicanálise de Sidarta Ribeiro, que procura diminuir a distância entre as ciências da alma e do corpo, separadas pela ciência ocidental há quase cinco séculos. Com sua descoberta, o conhecimento humano dá um passo à frente.
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