quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

É possível inserir DNA humano num cérebro de macaco?


BRASILEIRO QUE TRABALHA NOS EUA DEFENDE QUE EXPERIMENTO PODE TESTAR HIPÓTESE SOBRE A ORIGEM DA CRIATIVIDADE E DA INDIVIDUALIDADE



Divulgação

O biólogo Alysson Muotri, professor em San Diego

RAFAEL GARCIA
EM BOSTON

O que aconteceria com um macaco que recebesse o implante de genes humanos supostamente relacionados à inteligência? Se o animal ganhasse algum grau de consciência, ele passaria a ter, ao menos em parte, os direitos legais de uma pessoa?

Perguntas que parecem coisa de ficção científica podem agora forçar um debate na comunidade científica, graças ao trabalho do biólogo paulista Alysson Muotri.

"Isso vai ter de passar por comitês de ética em pesquisa, porque a gente quer realmente partir por aí", afirma o cientista, professor da UCSD (Universidade da Califórnia em San Diego).

Muotri ganhou notoriedade recentemente ao publicar trabalhos sobre autismo, nos quais conseguiu reproduzir o comportamento dos neurônios de crianças portadoras de uma forma da doença.

A técnica usada por ele -a das células iPS, que permite transformar amostras de pele em neurônios- abriu também uma avenida para enfrentar uma questão mais conceitual. Em entrevista à Folha, o cientista conta como investigar o autismo desembocou no estudo das origens da inteligência.





 


Folha - A sua pesquisa indica que a genética praticamente determina o futuro das células das crianças autistas. Essa evidência não vai desagradar os que propõem causas ambientais para a doença?
Alysson Muotri
- É uma forte evidência, mas ela não exclui fatores ambientais. Agora, isso vem confirmar o que a maioria dos cientistas diz hoje: as doenças do espectro do autismo são praticamente 90% de origem genética.

Já existem mais de 300 genes relacionados com o autismo, e até a gente entender como esses genes contribuem para um mesmo fenótipo [característica], vai ser complicado. O genoma é complexo, e não vai ser uma ou outra alteração sozinha que vai provocar a doença.

Mas, trabalhando com a célula iPS, a gente consegue capturar o genoma inteiro da célula do paciente nesse estado pluripotente [primitivo] e aí diferenciá-la em neurônio. Então, não importa muito qual é o gene ou quais são os genes envolvidos. A gente tem o produto final, que é o neurônio com problemas.

O sr. levou seis cientistas brasileiros com carreiras promissoras para trabalhar nos EUA e hoje diz que a fuga de cérebros é uma "ilusão patriótica". A saída de bons cientistas do país não pode prejudicar a pesquisa nacional?
Para algumas pessoas, o real patriotismo é abandonar as melhores condições de trabalho que você tem no exterior e voltar ao Brasil. Alguns dizem "vem aqui sofrer com a gente, vamos juntos tentar melhorar este país".

Quando chegou um momento na minha carreira aqui em San Diego em que eu tive que tomar uma decisão, o que veio na minha cabeça foi uma pergunta: o que eu sei fazer de melhor?

Se a minha resposta fosse "formação de pessoal", talvez eu tivesse decidido voltar. Mas não me vejo nisso.

Como brasileiro, eu achei que a melhor coisa seria tirar vantagem do sistema americano e fazer com que a coisa funcionasse aqui. Uma coisa que eu faço para estar sempre em comunicação com o Brasil é justamente trazer estudantes brasileiros para o meu grupo. Eu tento manter no laboratório 50% de estudantes brasileiros e 50% de outros países.

Pesquisadores que trabalham com células-tronco reclamam muito das grandes revistas científicas e até já fizeram um manifesto contra a formação de "panelinhas" -revisores que dificultam a publicação de estudos dos que não pertencem ao grupo. Você acha que o sistema precisa mudar? Eu acho que existe hoje, sim, um pouco de viés nessas publicações. Algumas revistas, principalmente as de alto impacto, acabam se baseando muito só na opinião de alguns pesquisadores.

O que eu acho ideal seria alguma coisa parecida com o que se faz hoje na matemática e na física. A ideia é a de colocar o seu trabalho aberto na internet assim que ele estiver pronto. Dessa forma, pesquisadores do mundo todo terão acesso à sua pesquisa e poderão avaliá-la.

Fora dos trabalhos em biomedicina, o que vão fazer no campo da ciência básica?
Ainda estão pensando em trabalhar com macacos?
Um interesse bem básico que eu tenho é o de entender como e por que o cérebro humano é diferente dos outros. A gente tem a capacidade que nenhum outro animal tem, que é a da teoria da mente. A teoria da mente, explicando de uma forma bem leiga, é o fato de você conseguir se colocar na mente de uma outra pessoa e entender que tipo de coisa ela pode estar sentindo ou pensando em determinada situação.

Nenhum outro animal demonstrou ter essa capacidade. Isso deve ter surgido como um fator-chave para a nossa organização social.

Bem, tudo isso surge, em última instância, das células embrionárias que acabam se desenvolvendo e formando um sistema nervoso. Dentro disso, tem duas áreas básicas que eu busco entender.

Uma área é o desenvolvimento neural do cérebro, comparando os humanos com o cérebro dos nossos "primos", como o chimpanzé e o bonobo. A gente derivou células iPS de humanos e de macacos, e a gente está instruindo essas células a formar um sistema nervoso em cultura, para acompanhar passo a passo quais são as similaridades e quais são as diferenças entre humanos e outros primatas.

O que a gente tem visto são coisas bem inesperadas, que devem revelar bastante coisa e até render ideias novas sobre aspectos do autismo e de algumas outras doenças.

A outra linha tem a ver com os retroelementos, os "genes saltadores" [que fazem cópias de si mesmos ao longo do DNA]. Ninguém questiona que nosso genoma tem toda a informação capaz de gerar um cérebro, da mesma forma que os outros primatas também conseguem gerar o cérebro a partir do genoma que eles têm. A questão é: como formar um cérebro inteligente e criativo?

Deve ter algum outro fator ali no cérebro humano que contribui para essa criatividade. O que a gente acabou postulando é que esse DNA-lixo, que aparentemente não tem nenhuma função, mas que abriga os genes saltadores, poderia estar envolvido na geração dessa diversidade neural, ao modificar o genoma original das células.

A gente não entende esse processo como sendo uma coisa essencial para a formação do cérebro, mas ele seria um "tempero" nessa criatividade que a gente tem, essa individualidade humana.

Será possível realizar um experimento com macacos que os faça adquirir esses genes saltadores dos humanos? A gente pensa nisso, e isso é uma coisa que vai ter que ser discutida com a sociedade. Isso vai ter que passar por comitês de ética em pesquisa, porque a gente quer realmente partir por aí.

Pode ser que você comece a criar essas redes neurais mais sofisticadas no cérebro de macaco. E aí ele poderia começar a ter consciência. A partir desse momento, será que ele não se torna um ser "humanizado"? E, caso se torne, ele passaria a ter os mesmos direitos que as pessoas? Se a resposta for sim, ele não poderia ser cobaia.

Eu não tenho as respostas para isso, mas em algum momento a ciência vai começar a chegar a esse ponto e isso vai ter que ser discutido. Eu antecipo esse tipo de discussão, mas não tenho uma resposta para isso. Não sei se é certo ou errado.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Rara doença cerebral faz com que mulher não tenha medo de nada

http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/847229-rara-doenca-cerebral-faz-com-que-mulher-nao-tenha-medo-de-nada.shtml


DA FRANCE PRESSE


Cientistas americanos detectaram em uma mulher uma rara doença cerebral que faz com que não tema nada --nem uma serpente que se aproxima de seus filhos nem uma faca em seu pescoço.

A mulher não experimenta a sensação de medo porque tem destruída a parte de seu cérebro em que os cientistas acreditam que esse sentimento seja gerado.

Nas últimas duas décadas, os cientistas acompanharam a mulher, identificada como SM, em busca de dados sobre sua condição que podem fornecer pistas para o tratamento do estresse pós-traumático, particularmente em soldados que retornam da guerra.

"É bastante surpreendente que ainda esteja viva", disse Justin Feinstein, cujo estude é publicado no jornal "Current Biology".

"A natureza do medo é a sobrevivência e a amídala cerebral nos ajuda a evitar as situações, as pessoas ou os objetos que colocam nossa vida em perigo", assegurou. "Ao perder sua amídala, SM perdeu também a sua capacidade de detectar e evitar o perigo".

Em lugar de medo, SM, cuja rara condição é conhecida como doença de Urbach-Wiethe, mostra um incontível sentimento de curiosidade.

Para estudar suas reações, os pesquisadores a levaram a uma loja de animais exóticos cheia de aranhas e cobras, animais dos que havia dito repetidamente que "odeia" e tenta evitar.

"Assim que entrou no local, SM se dirigiu ao serpentário e ficou fascinada com a grande coleção de cobras", indicou o estudo.

Consultada sobre se queria segurar uma cobra, SM respondeu afirmativamente e brincou com uma durante três minutos.

Os cientistas ressaltaram que a mulher "nunca foi condenada por um delito, mas que foi vítimas de vários".

Feinstein disse que espera que a experiência de SM possa ajudar a tratar pessoas com estresse pós-traumático, um problema comum entre soldados que retornaram do Iraque e do Afeganistão.

"Suas vidas estão marcadas pelo medo, muitas vezes são incapazes inclusive de sair de suas casas devido à sempre presente sensação de perigo", disse.

"Se entendermos como o cérebro processa o medo, talvez algum dia sejamos capazes de conceber tratamentos voltados para áreas selecionadas do cérebro que permitem que o medo se apodere de nossas vidas".

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Sacks mostra como mente "cria" mundo

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Novo livro do escritor aborda reconstruções da percepção quando área visual do cérebro tem descompasso

Cegos que ainda são capazes de "ver" e os mistérios da visão em 3D dominam nova obra do neurologista inglês


Moacyr Lopes Junior-19.5.05/Folhapress

Oliver Sacks em palestra em SP

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE CIÊNCIA Autor de romances policiais, o canadense Howard Engel chegou a imaginar que estava sendo vítima de uma estranha conspiração ao tentar ler o jornal numa manhã de julho de 2001.

"Quando eu focalizava as letras, ora pareciam cirílico [alfabeto do russo e de outras línguas eslavas], ora coreano", contou Engel em carta ao neurologista e escritor britânico Oliver Sacks. Não era um plano maligno da KGB: Engel tivera um derrame numa pequena área do lado esquerdo do cérebro.

Anedotas como essa se juntam como as peças de um quebra-cabeças em "O Olhar da Mente", livro de Sacks que acaba de chegar ao Brasil. A mensagem mais ampla é clara: não há nada de automático na maneira como achamos que vemos o mundo.

Histórias como as de Engel mostram que o conjunto olho-cérebro está menos para câmera digital e mais para simulador de realidade virtual, usando pistas às vezes enviesadas para construir um modelo do mundo na cabeça de cada pessoa.

Na entrevista abaixo, Sacks fala da relação entre ciência e literatura e diz que a interface entre cérebro e máquinas tem potencial para revolucionar o modo como os sentidos funcionam.



 
Folha - Como é que o sr. normalmente escolhe o fio condutor de um livro? O sr. começa com o tema na cabeça e depois busca relatos de pacientes que se encaixem na ideia, ou é o contrário?
Oliver Sacks - Depende muito de quem me contata, do que acontece no meu cotidiano. Acidentes desempenham um papel muito grande para um médico. As coisas não são nem de longe tão sistemáticas quanto o cotidiano de um cientista.

Por que ainda é raro ver livros sobre ciência serem reconhecidos como literatura?
Fico tentado a dizer que algumas pessoas naturalmente vão gostar mais desse tipo de obra do que outras. Não penso em mim mesmo como um homem de letras. O que tento é dizer as coisas com a maior clareza e maior naturalidade possíveis.

Acho que é importante ler em voz alta. Quando escrevo, tento ouvir cada frase na minha cabeça, e acho que esse ouvido para o que se está escrevendo é crucial.

Os casos extremos que o sr. descreve ajudariam a mostrar que até as pessoas que chamamos de normais apenas usam seu cérebro para construir uma espécie de modelo do mundo, que nunca é a mesma coisa que o "mundo real" em si?
Em primeiro lugar, não penso em meus casos como extremos. Acho que eles apenas são os mais exemplares, digamos.

Quando falamos de coisas como o ato da leitura, ou a capacidade de reconhecer rostos, a tendência é considerar essas habilidades como algo natural. E as pessoas não têm a menor ideia de como essas coisas funcionam.

Isto é, a menos que você as analise. E ver pessoas cujas faculdades de reconhecimento foram esfaceladas faz, por exemplo, com que seja possível perceber que certa capacidade está associada a certa parte do cérebro.

Dessa maneira, você aprende que é possível saber o que a leitura ou o reconhecimento de rostos são em todas as demais pessoas. Ou seja: estudar um cérebro anormal lança muita luz sobre os cérebros normais.

Na última década, as pesquisas cujo objetivo é criar interfaces entre o cérebro humano e as máquinas avançaram muito. Qual o potencial dessas tecnologias para mudar a maneira como as pessoas percebem o mundo?
Conectar o cérebro a máquinas que possam se movimentar é muito empolgante para pessoas que ficaram paralisadas, pessoas que estão "trancadas" dentro do próprio cérebro por causa de alguma lesão e não possuem nenhum modo de se comunicar com o mundo exterior.

Na parte final do meu livro, abordo a chamada substituição sensorial, na qual uma câmera de vídeo é conectada a eletrodos implantados na língua do paciente.

Essa pessoa, então, é capaz de interpretar esses estímulos sensoriais na língua como uma percepção visual, mesmo que ela não enxergue. Isso não exige a implantação de eletrodos no cérebro. Mas nós vemos e ouvimos com nosso cérebro, e em breve vai ser possível -é algo que já foi conseguido em modelos animais- enxergar com essas interfaces.

E isso vai revolucionar a medicina.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Como se forma a memória

Entre o Oiapoque e o Chuí existem centenas de marcos geográficos que demarcam a fronteira brasileira. Um amigo dos meus pais os recitava de memória. Eu fui obrigado a decorar a tabuada, o que não ocorreu com meus filhos. Nas últimas décadas a memorização de novos conhecimentos por meio da repetição exaustiva caiu em desuso. Em parte isto se deve aos novos métodos pedagógicos que valorizam a capacidade de utilizar o conhecimento ao invés de sua simples memorização. Mas uma polêmica nos meios científicos sobre a melhor maneira de criar memórias de longo prazo também contribuiu para o ocaso da tabuada.

A teoria clássica afirmava que a repetição exata de um estímulo era a melhor forma de memorizá-lo. A nova teoria propunha que memórias mais duradouras eram formadas quando o estímulo contendo a informação era apresentado em diferentes formas a cada repetição. Na teoria clássica a melhor maneira de memorizar a tabuada era repetir cada frase centenas de vezes. Na nova teoria o aluno deveria ser submetido a uma série de repetições nas quais o contexto da informação mudasse a cada repetição. A memorização seria mais eficiente pois o conhecimento ficaria "ancorado" em diversos pontos da memória. Agora, analisando diretamente a atividade cerebral à medida que a memória é formada, os cientistas descobriram como as memórias mais duráveis são formadas.

Os testes foram feitos em 24 voluntários. A cabeça da pessoa era colocada dentro de uma máquina de ressonância magnética capaz de medir a atividade de cada região do cérebro a cada instante. É como se a máquina estivesse filmando que parte do cérebro está ativa ou inativa a cada segundo. Com a máquina na cabeça, os voluntários observavam uma tela de computador e eram instruídos a memorizar 120 fotos de faces de pessoas. Cada face era apresentada três vezes misturada aleatoriamente às outras faces. Dada esta combinação, cada voluntário examinava um total de 360 faces enquanto a maquina de ressonância registrava a atividade cerebral. Desta maneira foi possível registrar a atividade cerebral de cada voluntário para cada uma das três vezes em que ele foi apresentado a cada uma das 120 faces.

Uma hora depois de terminada esta parte do experimento o voluntário voltava para o laboratório para tentar identificar as faces que havia memorizado. Nesta segunda etapa, feita sem o aparelho na cabeça, era apresentada a uma sequência de 240 faces sendo que 120 eram novas e 120 eram as mesmas que ele havia observado com a máquina na cabeça. Para cada uma destas 240 faces ele deveria dar uma nota de 1 a 6 dependendo do grau de certeza que a face já havia sido observada na primeira parte do experimento.

Feito isso os cientistas selecionaram, entre as faces apresentadas na primeira parte do experimento, as que as pessoas tinham certeza que se lembravam (nota 5 e 6) e as que elas seguramente haviam visto mas não se lembravam (nota 1 e 2). Sabendo quais faces haviam sido memorizadas e quais haviam sido esquecidas os cientistas examinaram a atividade cerebral do voluntário enquanto estava olhando faces memorizadas ou esquecidas. O objetivo era tentar descobrir que atividades cerebrais eram indicativas de que a memória estava se formando de forma eficiente.

A comparação da atividade cerebral de um voluntário enquanto examina duas faces distintas é pouco informativa. Já se sabe que diferentes faces provocam diferentes reações e consequentemente diferentes atividades cerebrais. Enquanto uma face pode provocar reações do tipo "ela é parecida com minha avó Zica" outra face pode provocar reações do tipo "nunca vi um homem tão triste" e é claro que a atividade cerebral que gera estes pensamentos é diferente. Foi por este motivo que os cientistas compararam a atividade do cérebro nas três vezes que a mesma face foi apresentada ao voluntário, tanto no caso das faces memorizadas quanto no caso das faces esquecidas.

Quando esta comparação foi feita em centenas de faces lembradas ou esquecidas pelos 24 voluntários ficou clara uma diferença entre as faces lembradas e as esquecidas. No caso das faces lembradas, a atividade cerebral era semelhante nas três vezes em que a pessoa observava a mesma face. No caso das faces esquecidas cada vez que a pessoa observava a face a atividade cerebral era diferente. Isto demonstra que a formação eficiente de memória ocorre quando o padrão de atividade cerebral se repete perfeitamente cada vez que o estímulo é apresentado.

Este tipo de experimento foi repetido usando palavras escritas e sons em vez de faces, confirmando que formação eficiente de memória ocorre quando o estímulo é capaz de provocar reações idênticas em nosso cérebro, e comprovando a teoria clássica do processo de memorização. É por isso que um grupo de crianças forçadas a recitar em voz alta todo dia um poema ou a tabuada acaba memorizando a informação para o resto da vida e um advogado, 50 anos depois de sair da escola, ainda é capaz de listar os rios e montanhas do Oiapoque ao Chuí.

Portanto, se o objetivo é simplesmente memorizar algo, a repetição exata é a solução preferida, mas se a ideia é educar crianças para lidar com a informação e utilizar o conhecimento de maneira critica e criativa a repetição exaustiva não é a melhor forma de educar. A arte está em combinar estas duas atividades.

BIÓLOGO
MAIS INFORMAÇÕES EM: GREATER NEURAL PATTERN SIMILARITY ACROSS REPETITIONS IS ASSOCIATED WITH BETTER MEMORY. SCIENCE VOL. 330 PAG. 97 2010

A neurociência explica a função dos pesadelos



10/08/2010
por ANNETTE SCHWARTSMAN
 



No novo filme "A Origem", o personagem de Leonardo Di Caprio é contratado para invadir sonhos do herdeiro de uma corporação e implantar ideias em sua mente.

Com efeitos especiais dignos dos piores pesadelos -como Paris dobrando-se sobre si mesma e explodindo em pedacinhos-, essa ficção científica, no entanto, não está tão longe da realidade.

Uma área da neurologia argumenta que um indivíduo pode dirigir seus próprios sonhos de forma limitada.

Alguém que tenha um pesadelo recorrente pode aprender a substituir seu script aterrorizante por uma versão mais amena.

Bons ou ruins, os sonhos são misturas criadas pelo inconsciente que processa, ordena e guarda emoções do dia, lembranças reprimidas e desejos ocultos.

"Se fossem mera atividade aleatória dos neurônios no córtex cerebral, não seria possível ter sonhos iguais mais de uma vez. Isso prova, como Freud disse, que eles têm significado e são motivados por experiências vividas durante a vigília", diz o neurocientista Sidarta Ribeiro, 39, chefe de laboratório do Instituto Internacional de Neurociência de Natal e um dos principais pesquisadores do assunto no Brasil.

"Nós levamos os problemas para dormir e os trabalhamos durante a noite", diz Rosalind Cartwright, professora de neurociência da Universidade Rush do Centro Médico de Chicago, que há 50 anos estuda o sono.

Em seu livro "The Twenty-Four Hour Mind" ("a mente 24 horas"), ela explica que o cérebro registra as questões emocionais inacabadas do dia e, durante o sono REM (em que os olhos se movem rapidamente e ocorrem os sonhos), as mistura com memórias antigas relacionadas.

"O sonho serve para depurar a emoção negativa recente. É como se você limpasse o seu HD para sofrer menos durante o dia", compara o neurologista Flávio Alóe, 50, do Centro Interdepartamental para os Estudos do Sono do Hospital das Clínicas de SP.

Já os pesadelos, diz Alóe, são sonhos que provocam sensação de impotência diante de ameaças de sobrevivência, segurança pessoal ou autoestima.

"Com sequências temporais semelhantes à realidade, eles se confundem com esta, tornam-se perturbadores e terminam com o despertar consciente e com emoções negativas como ansiedade, medo, raiva, vergonha e nojo, que permanecem na memória. Também podem ser acompanhados de taquicardia, respiração ofegante, sudorese ou ereção", define o especialista.

Alóe diz ainda que noites cortadas por pesadelos prejudicam o sono REM, essencial para regular funções como criatividade e memória.

Como pesadelos devem ser levados a sério, uma providência é achar as causas. "É preciso saber se têm causas emocionais, se são efeito de remédios, de transtorno neurológico", diz Luciano Ribeiro Pinto Jr., neurologista do Instituto do Sono e pesquisador do sono na Unifesp.

Há tratamentos farmacológicos e terapêuticos. Em um desses, a dessensibilização "in vivo", a pessoa é exposta, acordada, ao que a atormenta no sono -como ratos. O medo passa.

No sonho lúcido, a pessoa aprende a ficar consciente de que está sonhando. Para alguns, a habilidade é natural.

"Na ioga tibetana, pratica-se sonho lúcido no sono e na vigília", diz Sidarta Ribeiro.

No sonho lúcido, o indivíduo tem consciência de estar sonhando, raciocina. Ele se comunica com o meio externo por movimentos oculares ou do polegar, e decide o conteúdo do enredo.

Outra técnica é a incubação do sonho, pesquisada pela primeira vez nos anos 1990 por Deirdre Barrett, da Harvard Medical School.

Segundo a psicóloga, o paciente deve escrever seu problema em uma frase curta e colocar a anotação perto da cama. Antes de dormir, revisa o problema e, deitado, visualiza a questão.

Enquanto cai no sono, deve dizer a si mesmo que quer sonhar com o problema. Ao acordar, deve ficar deitado, observando se há resquícios de sonho, e anotar o que lembrar.

Uma terapia semelhante é a de ensaio da imagem, desenvolvida por Barry Krakow, do Centro Maimonides de Artes e Ciência do Sono, no Novo México (EUA).

Consiste em, no estado de vigília, relembrar o pesadelo em detalhes e escrevê-lo mudando o seu final para um agradável, ou até um sonho completamente diferente.

Depois, a pessoa deve ensaiar a nova versão uma vez por dia, por 20 minutos, durante duas semanas.

Shelby Freedman Harris, diretora de medicina comportamental do sono do Montefiore Medical Center, em Nova York, aplica o método e conta o caso de uma mulher que sonhava estar cercada por tubarões. Ela imaginou que eles fossem golfinhos: os pesadelos sumiram.

Outro jovem que tinha pesadelos de estar sendo seguido transformou o perseguidor em chocolate e o comeu.

Alguns analistas veem problemas em mudar o conteúdo dos pesadelos. Argumentam que eles enviam mensagens cruciais à mente.

"A riqueza dos sonhos e pesadelos está no fato de nos trazerem conteúdos do inconsciente. A diferença entre os dois é gostarmos ou não desses recados que, uma vez compreendidos, param de nos assombrar", diz a psicanalista Lucia Rosenberg.

"Acho uma pretensão querer mandar no inconsciente que, por definição, é algo que não se controla", conclui.

Para psicanalista lacaniana Fani Hisgail, autora de "A Ciência dos Sonhos, um Século de Interpretação Psicanalítica" (Unimarco), há uma longa estrada a percorrer "entre o sonho contado, que é o material trabalhado em terapia cognitiva, e o sonho sonhado, que guarda elementos recalcados".

Do ponto de vista do sintoma, essas terapias substituem seis por meia dúzia, diz Fani. "Cria-se uma ficção de bem-estar, mas o sujeito continua desconhecendo o real motivo que o angustia."

Já Sidarta Ribeiro não vê problemas em apaziguar pesadelos às vezes. "O inconsciente é robusto, não será afetado. As mensagens continuarão a chegar. O difícil não é recebê-las, mas compreendê-las, o que é raro", retruca.

As pesquisas da neurofisiologia sobre sonhos, iniciadas nos anos 1950, engatinham. Mas têm futuro. "Já temos a medicina do sono, um dia teremos a medicina dos sonhos", diz Luciano Ribeiro Pinto Jr. Não custa sonhar.

Como o sono consolida a memória

Sidarta Ribeiro mostrou os resultados de sua pesquisa hoje de manhã na reunião anual da SBPC

Maria Fernanda Ziegler
Dormir faz bem para o aprendizado. O sono, além de servir para a conservação de energia, faz a reposição das biomoléculas na vigília e atua para o processamento da memória. Freud, já dizia, em 1900, que o sono contém restos diurnos. E estudos ainda da década de 20, chegaram à conclusão que o sono favorece a consolidação da memória.

Agora, uma pesquisa dirigida pelo neurologista Sidarta Ribeiro, do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS,) vai estudar os mecanismos biológicos que comprovam tais afirmações. O pesquisador apresentou seus resultados hoje de manhã na reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Natal.

A memória adquirida transita por regiões do cérebro até se transformarem em aprendizado ou lembrança. Primeiro elas ficam no hipocampo, migrando depois para a região córtex. Este processo é consolidado durante o sono. “Agora conseguimos medir como isto é feito”, contou Ribeiro.

A memória é construída numa sequência específica do ciclo do sono - na fase de ondas lentas (sono profundo) e na fase REM, aquela em que sonhamos. O pesquisador analisou a movimentação de neurônio de ratos. Um animal ficou em uma caixa completamente vazia e com ciclos de luz que duravam 12 horas e depois 12 horas sem luz. Depois quatro novos objetos colocados na caixa. Depois de algumas horas o objeto é retirado. “A ideia era monitorar a vigília, sono de ondas lentas e sono REM e eu presumo que na caixa onde foram colocados os objetos, o animal vai se lembrar de alguma coisa”, disse.

Nos animais que tiveram contato com os objetos, foi observado um intensa movimentação de impulsos elétricos durante o sono de ondas lentas. Os neurônios foram ativados neste período, quando a memória foi reverberada do hipocampo para o córtex.

Durante o sono REM foi registrado um aumento no córtex, mas não no hipocampo. “As duas fases do sono têm funções complementares”, explicou o pesquisador. Na fase de ondas lentas ocorre a reverberação da memória e durante o sono REM, os genes são ativados e a memória é armazenada. “A gente acredita que o sono de ondas lentas é um processo biológico que preserva as memórias e fica reverberando, fica trazendo estas memórias a tona até que venha o sono REM. A combinação destas duas preserva a propagação das memórias”.

Dormir pra aprender
Se o sono é importante para o armazenamento da memória, se faz necessário aproximar o horário das aulas com o do sono. Em outro experiência, desta vez com alunos de uma escola de Natal, a equipe constatou que o sono ajuda no aprendizado. Em uma aula de 10 minutos, os alunos aprenderam palavras novas. Logo depois, dormiram por 2 horas. O grupo que dormiu conseguiu lembrar mais das palavras que o grupo que não dormiu. Aqueles que ficaram de olhos fechados, mas não conseguiram cair no sono, ficaram em posição intermediária. “O sono facilita a reestruturação da memória”, disse.

Não sonhe demais
Outro estudo do IINN-ELS analisou o desempenho de jogadores do Doom, videogame como monstros e desafios como caminhos secretos e bolas de fogo. A pesquisa, ainda em fase de conclusão, monstrou que o sonho interfere no desenvolvimento de tarefas no dia seguinte.

Na primeira noite, uma noite controle, a pessoa dorme com eletrodos, quando se observa que ela atinge o sono REM, ela é acordada e relata o sono. Na segunda noite, a pessoa joga videogame por uma hora, o jogo é gravado. Em seguida a pessoa dorme e o sonho é coletado outra vez. No terceiro dia ela joga Doom outra vez. O que foi identificado foi que a pessoa melhora no jogo.

A pesquisa queria medir a intrusão onírica no desempenho, ou seja, ao usar a memória adquirida do dia anterior, a pessoa fica mais preparada para o futuro. Quem sonhou pouco com o jogo, teve pouca melhora do desempenho, quem sonhou muito com o jogo, melhorou; e quem sonhou demais piorou. “Acreditamos que quem sonhou demais entrou em estresse e piorou o desempenho no jogo”, disse Ribeiro.

Sono é um aliado do cérebro



BEATRIZ CASTRO Natal

O que você sabe sobre visão e memória? Se a resposta for nada ou quase nada, você está na mesma situação de crianças de uma escola pública de Natal, capital do Rio Grande do Norte. Elas entraram em contato com o tema pela primeira vez através de uma palestra dada por pesquisadores de duas universidades do estado. Você saberia dizer, por exemplo, qual a parte do corpo humano que é parecida com uma janela? Na aula, todas as repostas começaram a aparecer.

Pouco a pouco, as crianças, de apenas 11 anos, foram aprendendo os conceitos básicos da memória. Atenção não faltou. Mas a aula foi rápida. Em seguida, os alunos foram separados em dois grupos: um deixou a sala e voltou para a aula normal; o outro grupo ficou por ali mesmo.

Logo depois da aula, hora de dormir. Os pesquisadores querem saber até que ponto o sono ajuda a fixar na memória o que os alunos acabaram de aprender. E a sala de aula virou dormitório.

As luzes se apagaram, e os alunos, muito comportados, entenderam a importância da pesquisa e se entregaram lentamente a uma deliciosa soneca no meio da manhã. Segundo os pesquisadores, é neste momento que tudo aquilo que eles acabaram de aprender vai ser arquivado pelo cérebro.

Quando estamos acordados, informações sobre fatos, datas, eventos se acumulam no hipocampo, uma parte do cérebro. Durante o sono, essas informações migram para o córtex cerebral, onde vão ficar armazenadas por muito tempo.

"É uma espécie de reorganização da memória, que libera espaço neural para a aquisição de novas memórias no hipocampo e estoca as memórias antigas no córtex", explica o professor de neurociência Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

O grupo de estudantes que não dormiu manteve a rotina na sala de aula. Dois dias depois da primeira visita, os pesquisadores voltaram de surpresa à escola. Os alunos que dormiram e também os que não dormiram depois das novas lições fizeram um teste para saber qual o grupo que mais memorizou as informações.

As crianças, mais uma vez, colaboraram. E, concentradas, responderam todas as perguntas. A pesquisa toda já envolveu 250 crianças em escolas de Natal. Os resultados mostram que é sempre mais fácil para quem tirou um cochilo logo depois da aula.

"Em média, os meninos que dormiram tiveram um desempenho 10% melhor. Acreditamos que é porque o cérebro deles durante o sono protegeu e consolidou a informação nova. Enquanto que os meninos que continuaram em sala de aula tiveram mais interferência sensorial e tiveram uma memorização menos eficiente", diz Sidarta Ribeiro.

Para os pesquisadores, os resultados comprovam que o sono não deve ser tratado como um inimigo da escola.

"Eu acredito que a criança deva chegar para a escola bem alimentada, que ela preste bastante atenção na aula, que seja um aula muito eficiente e carismática, e que depois ela possa tirar um cochilo e consolidar essas informações com a atenção devida", diz Sidarta Ribeiro.

Se você ainda não se convenceu, um dos maiores gênios da Humanidade, Leonardo da Vinci, adorava uma soneca.

"Ele dormia vários cochilos de forma entremeada ao longo do dia. Então, após uma atividade de criação ou de estudo, ele se recompensava com um cochilo reparador, consolidador de memória", conta Sidarta Ribeiro.

Você se lembra da primeira questão da prova das crianças? "Os olhos são a janela do corpo humano": a frase – simples e genial – foi dita por Leonardo da Vinci entre uma soneca e outra.

Mas quantos problemas o gênio teria conseguido resolver ao acordar? Os pesquisadores do Instituto Internacional de Neurociências de Natal se perguntam: além do sono, os sonhos também atuam sobre o funcionamento do nosso cérebro?

"É muito comum a repetição de um sonho quando a pessoa está vivendo um problema que não se resolve", diz Sidarta Ribeiro.

O desafio dos cientistas agora é investigar o poder dos sonhos. Para isso, eles mediram as ondas cerebrais da voluntária Fabrícia Assunção enquanto ela dormiu. Mas antes de ir para a cama, ela recebeu uma tarefa: resolver os enigmas de um jogo de videogame.

"Vamos ver como eu vou me sair, porque não tenho nenhum costume. Nunca joguei, nem sabia que jogo era esse", disse a voluntária antes de começar o teste.

Os equipamentos mostraram que, durante o jogo, no cérebro, é ativada a área que controla os movimentos da mão. O game é violento, com monstros e muito sangue. Será que toda essa tensão se refletiu nos sonhos de Fabrícia?

Meia-noite e meia é a hora em que Fabrícia costuma pegar no sono. O sono dela foi monitorado. E quando o equipamento mostrou que ela já estava sonhando, a grande revelação: a área ativada no cérebro foi a mesma que ela usou durante o jogo, quando estava acordada.

Fabrícia foi despertada às 6h50. Pelo monitoramento, os pesquisadores sabiam que ela estava sonhando. A equipe do Globo Repórter não entrou no quarto no momento em que ela foi despertada para não interferir na pesquisa. A maioria das pessoas se esquece dos sonhos pouco tempo depois de acordar.

"Ela sonhou. O interessante é que além de ela ter relatado os sonhos e ter lembrado dos sonhos, o sonho dela teve ligação direta e indireta com a tarefa que ela realizou: o jogo", explica o pesquisador de psicobiologia André Pantoja.

Fabrícia conta que, quando foi acordada, lembrou que sonhava sobre um desenho animado, com uma briga e com montanhas. "De manhã, quando eu acordei, era como um desenho: o herói e o vilão estavam brigando um com o outro e, no final, o herói ganhou", descreve.

Ganhou o herói e ganhou a própria Fabrícia. Depois do sonho, ficou mais fácil vencer os obstáculos do jogo. Melhorou o desempenho da voluntária.

"As pessoas que sonham com seus problemas, resolvem seus problemas. Os sonhos servem para simular futuros possíveis. O sonho permite a criação de soluções novas, bastante complexas, para problemas comportamentais que nós temos", diz Sidarta Ribeiro.

Mas quando a pessoa fica muito ansiosa o sonho vira pesadelo e acontece o contrário: o desempenho no dia seguinte é baixo.

"Eu já fui direto ao ponto porque ficou mais claro. Não vou continuar jogando porque não gosto de monstro, nem de violência. Foi só um experimento", diz Fabrícia.

Dizem os pesquisadores que o exemplo de Fabrícia vale para todos: se conseguirmos lembrar dos nossos sonhos, talvez seja mais fácil encontrar a solução para os problemas que nos afligem.

"É triste abrir mão de uma arma tão poderosa que está dentro de você há séculos", constata André Pantoja.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Estudo diz por que orientais são "iguais"

Ocidentais têm essa impressão porque o cérebro humano "dá bug" ao tentar reconhecer faces de outra etnia

Para orientais, difícil é diferenciar os europeus; as bases biológicas dessa dificuldade ainda eram desconhecidas

RICARDO MIOTO

Não, os japoneses não são todos iguais. O que acontece, mostraram agora os cientistas, é que o "software" de reconhecimento facial do cérebro tem as suas limitações, e uma delas é patinar sempre que se depara com um rosto de uma etnia diferente.

Os pesquisadores selecionaram mais de 20 voluntários, metade de Europa e metade da Ásia. Mostraram a eles faces genéricas de orientais e ocidentais. Enquanto isso, observavam a sua atividade cerebral.

Perceberam que os voluntários decoravam com facilidade rostos de gente da mesma etnia que eles. Mas quando um europeu começava a observar faces orientais, logo se perdia e já não sabia dizer se um novo rosto era inédito ou não -e vice-versa.

Ao observar o que estava acontecendo no cérebro do coitado do europeu, perdido tentando lembrar se aquele chinês não era o mesmo que já tinha aparecido lá no começo, os cientistas notaram um significativo aumento na sua atividade neural.

É como se o cérebro do voluntário estivesse exigindo mais do "processador", sendo forçado a trabalhar mais para tentar encontrar alguma forma de conseguir reconhecer aquele sujeito na tela. Fosse um computador, o cérebro estaria esquentando. Com frequência, o esfoço extra acaba sendo em vão.

Esse fenômeno é perceptível especialmente em algumas áreas do cérebro ligadas ao reconhecimento facial, como o córtex extra-estriado.
Assim, um japonês que nunca saiu do seu país, ao desembarcar, digamos, na Alemanha, vai achar todos aqueles loiros muito parecidos e se questionar como é que eles conseguem saber quem é quem no dia-a-dia.

A explicação evolutiva mais simples para esse bug cerebral passa pelo fato de que passear pelo mundo fazendo amigos é coisa recente. Por dezenas de milhares de anos, encontros com etnias diferentes eram muito raros. Só era necessário identificar gente parecida, e o cérebro se moldou para isso.

CHINATOWN
Roberto Caldara, neurocientista italiano-da Universidade de Glasgow (Escócia) e autor do trabalho publicado na revista científica "PNAS", diz que é interessante notar como esse cérebro limitado se adapta às grandes cidades cosmopolitas do presente, com gente de todo tipo nas ruas.

"Se você for europeu, mas morar, digamos, em um bairro com muitos chineses, você vai ver muitos rostos orientais todos os dias. Mas, exceto se você tiver treinado seu cérebro para reconhecê-los no nível individual, tendo vários amigos chineses e sabendo diferenciá-los, você vai continuar achando todos muito parecidos."

Isso vale, então, diz, para São Paulo: para parar de confundir orientais (e irritá-los chamando, por exemplo, coreano de japonês), é necessário se entrosar socialmente- só passear no bairro da Liberdade não adianta.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Déjà vu

http://super.abril.com.br/ciencia/deja-vu-447450.shtml

A ciência por trás do maior mistério da sua cabeça
por Texto Alexandre Versignassi e Dennis Barbosa


Você está tranqüilo, andando por aí. Lá no canto, um homem entrega balões a uma menininha. Uma cena sem nada de mais. Aí, de repente, BOOM: você olha e sabe que já viu aquilo antes. A expressão da menina, a posição das bexigas, o gesto do sujeito... Tudo parece “no lugar certo”. Tudo se repete igualzinho aconteceu antes. Mas você sabe que nunca viu aquilo na vida, ou seja, está tendo um déjà vu (“já visto”), em francês.

A sensação é mágica: você consegue prever cada “frame” da cena, como se estivesse dentro de um filme a que já assistiu. Está ciente de tudo o que vai acontecer. Presente e futuro se transformam numa coisa só.

Então... C’est fini. Acabou o déjà vu. A familiaridade com a cena vai para o ralo em segundos. Tudo fica tão frugal e imprevisível quanto antes. E tudo o que sobra é a lembrança de uma experiência quase mística. Mas que não tem nada de única: estudos nos EUA e na Europa indicam que até dois terços das pessoas tiveram déjà vu pelo menos uma vez na vida.

Mesmo com essa onipresença toda, ele é um tema difícil para a ciência. Por uma razão simples: se você fosse um cientista, iria pegar alguém na rua, levar para o laboratório e esperar o sujeito ter um déjà vu para ver o que acontece? Eles também não.

Mas existe um atalho para elucidar esse mistério: os campeões de déjà vu. Morton Leeds, um estudante americano dos anos 40, foi um deles. O rapaz tinha a extraordinária média de um déjà vu a cada 2,5 dias. E passou um ano registrando as ocorrências num diário, com precisão científica. Por exemplo, às 12h25 de 31 de janeiro de 1942 ele escreveu: “Foi extremamente intenso. Um dos mais completos que já tive. Parei em frente a uma loja, e a coisa cresceu e cresceu. Enquanto isso, a sensação de que eu poderia prever a cena seguinte ficava maior. Foi tão forte que tive náuseas”.

Com essa base de dados, Morton concluiu que a maior parte dos déjà vus acontecia em momentos de estresse. Já era alguma coisa. “Os resultados das nossas pesquisas atuais, com pacientes que respondem questionários sobre seus déja vus, mostram exatamente isso – embora não saibamos a razão. Eles também deixam claro que os mais jovens e viajados são os mais propensos a senti-los”, diz o psiquiatra Chris Moulin, da Universidade de Leeds, na Inglaterra.

Moulin é um dos poucos especialistas que se dedicam ao assunto. Para buscar respostas, garimpou em clínicas psiquiátricas atrás de gente com déjà vus ainda mais freqüentes que os de Morton Leeds. E o que ele encontrou foi aterrador.

Moulin conheceu pacientes que vivem num déjà vu eterno, num mundo surreal, onde tudo parece já ter acontecido. Felipe Massa ganhou a corrida? “Eu sabia, vi isso antes.” Lula renunciou para gravar um cd de pagode? “Óbvio. Eu sempre soube disso.”

Não é exagero. Um dos pacientes de Moulin, apresentado a ele em 2000, achava que já sabia tudo o que aparecia nos jornais ou na TV. Outro parou de jogar tênis porque “sabia qual seria o resultado de cada jogada”.

Mas não, eles não vêem o futuro. Tomografias no cérebro desses pacientes mostram que sua massa cinzenta atrofiou no lobo temporal (logo atrás das orelhas), justamente a parte que governa a formação de memórias.

A tese é que essas mentes acessam as lembranças na mesma fração de segundo em que elas são gravadas. E isso causa uma ilusão perene: o presente fica parecendo uma memória. É como se você vivesse o tempo todo no seu passado.

Moulin e outros pesquisadores, então, imaginam que a chave para os déjà vus normais esteja aí. Se nos casos crônicos a falta de timing do lobo temporal é permanente, nos mais moderados ela só acontece de vez em quando. Às vezes uma única vez na vida.

Mas essa não é a única explicação para o déjà vu. Outra corrente, por exemplo, defende que o fenômeno pode não estar ligado a um defeito no “cabeçote de gravação” da memória. O segredo estaria nos porões mais escuros do cérebro, onde ficam as memórias do que você não viu. Isso mesmo.
Para comprovar essa tese, dois pesquisadores americanos tentaram algo ambicioso: recriar déjà vus em laboratório. Ao experimento.

Em 2004, psicólogos da Universidade Metodista de Dallas e da Universidade Duke, nos EUA, colocaram seus alunos para ver fotos dos dois campi. A tarefa era encontrar pequenas cruzes que eles sobrepuseram às imagens. Eles esperavam que os alunos se concentrassem na busca pelas cruzes, sem prestar atenção nas imagens. Uma semana depois, chamaram os alunos de volta e mostraram as mesmas imagens. Agora eles tinham de dizer quais daqueles lugares já tinham visitado. Bingo: alunos da Duke que nunca tinham ido à Metodista disseram já ter estado em cenários de lá, e vice-versa. Conclusão: enquanto procuravam as cruzes, eles guardavam as imagens dos lugares desconhecidos no inconsciente sem se dar conta. Os estudantes não tinham mais de um segundo para ver cada imagem, mas foi o suficiente para que elas desencadeassem “mínis déjà vus”.

Por essa linha, ter um déjà vu significa acessar memórias nunca antes registradas pela consciência. Imagine: colocaram um extintor de incêndio perto da porta de entrada do seu prédio. Só que você viu o objeto apenas com o canto dos olhos, sem realmente notar a existência dele. Aí, no dia em que você olhar conscientemente para o extintor, pode ter uma forte impressão de já tê-lo visto antes. O ponto é que o seu inconsiente já viu mesmo. E vem o déjà vu.

As teorias não páram por aí. E a mais recente delas pode ter matado de vez a charada. Será?
Cenários fantasmas

A história começa com um geneticista americano, Susumu Tonegawa, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Ele estudava um traço bem conhecido da mente: aquilo de um fragmento qualquer de memória trazer cenários completos do passado. Sabe quando você sente algum cheiro que lembra a infância, como o da comida da sua avó, e sua cabeça praticamente viaja no tempo? Então.

Tonegawa descobriu que essa sensação nascia numa área específica do cérebro. E imaginou que com os déjà vus seria a mesma coisa, que eles tivessem uma morada no cérebro – no caso, um lugar minúsculo dentro do lobo temporal chamado giro dentado.

Para testar a hipótese, ele usou engenharia genética e criou um ratinho de laboratório com essa parte do cérebro desregulada. Depois pegou o bicho e colocou-o numa caixa com um rato normal. E começou a dar choquinhos nos pés da dupla. A cada descarga eles ficavam paralisados. Então colocou os dois numa outra caixa, parecida com a primeira, mas sem os choques. Como Tonegawa esperava, os roedores estavam condicionados: paralisaram logo que entraram na caixa, como se a tortura tivesse começado de novo.

O rato normal, no entanto, percebeu rapidinho que não estava acontecendo nada. E relaxou. Só que o transgênico não: continuou paralisado, como se os choques estivessem acontecendo. O rato confundia memória com realidade. Para Tonegawa, isso revelava a mecânica secreta dos déjà vus. Ele concluiu que o giro dentado capenga fez o animal perder a capacidade de diferenciar uma caixa da outra e entrar numa espécie de déjà vu eterno. Para você entender isso melhor, vamos para um exemplo palpável. Imagine que você está num aeroporto. Os guichês, os painéis, as escadas rolantes... Tudo é parecido com o que tem em qualquer aeroporto. Aí, se o seu giro dentado der um tilt por um segundo, você fica que nem o rato: perde a capacidade de discernir aquele aeroporto dos outros. Sente que já esteve lá. Tem um déjà vu.

Isso também ajuda a explicar por que eles acontecem mais entre pessoas jovens e viajadas, como disse Moulin. Primeiro, porque os mais novos têm uma vida menos rotineira. Costumam variar de cenário, o que os deixa mais propensos a viver déjà vus – é mais fácil ter um ao acordar num quarto desconhecido, por exemplo, do que no seu, onde você realmente está acostumado com tudo. E o fato de viajar bastante só turbina a coisa.

Quando a experiência de Tonegawa veio a público, em 2007, foi tratada por alguns como a explicação definitiva para o mistério. Mas a maior parte dos pesquisadores acha que ainda é cedo para uma conclusão dessas. Eles imaginam que o déjà vu pode ser como dor de estômago: ter várias causas – as que você viu aqui mais outras tantas ainda a descobrir.

No fim das contas, a explicação mais bacana continua sendo a da Trinity, de Matrix – o filme que mostra o planeta dominado por máquinas que mantêm os humanos presos numa realidade virtual (a Matrix). Numa das cenas, o herói Neo olha para um gato preto, sente que já viu o bichano antes e diz:
– Uau, Trinity. Tive um déjà vu....

E ela acaba com o mistério:
– Um déjà vu é uma falha da Matrix, Neo. Acontece quando estão consertando alguma coisa...

Para saber mais
The Deja Vu Experience
Alan S. Brown, Psychology Press, 2004.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Efeito placebo é extraordinário e muito mal compreendido

HÉLIO SCHWARTSMAN

E-drugs existem há dezenas de milhares de anos e atendem pelo nome de música. O resto é marketing.
Que padrões sonoros afetam o cérebro humano suscitando emoções não é exatamente novidade. É justamente isso que torna a música interessante. Vendedores de e-drugs sugerem que suas faixas são mais poderosas que Beethoven e causam efeitos semelhantes aos de LSD e haxixe. É possível, mas altamente improvável.

O conceito básico por trás das e-drugs são os sons binaurais. São produzidos quando cada um dos ouvidos é submetido a tons ligeiramente diferentes. Assim, se o nosso ouvido esquerdo captar um som com uma frequência de 97 Hz, e o direito, de 103 Hz, o cérebro irá perceber um diferencial de 6Hz e, num esforço de sincronização, tende a operar nessa frequência, que, no caso, corresponde à das ondas teta (4 a 7 Hz), associadas ao sono REM (com sonhos). Ao menos em teoria, a pessoa irá sentir-se gradualmente mais relaxada e sonolenta.

O efeito das ondas binaurais é real e foi descoberto em 1839 pelo físico prussiano Heinrich Wilhelm Dove. O que ainda não foi demonstrado é que padrões sonoros binaurais possam induzir muito mais do que estados de excitação e relaxamento. Dizer que causam alucinações, orgasmos e êxtases religiosos é uma afirmação retumbante que deveria ser acompanhada de evidências igualmente bombásticas.

Até agora, elas ainda não apareceram. Só o que existe são relatos de pessoas que dizem ter experimentado essas sensações publicados no site de empresas que comercializam as e-drugs. Mesmo que demos crédito a esses indícios anedóticos, eles são melhor explicados pelo efeito placebo do que por mecanismos cerebrais mais exóticos.

Aqui é preciso um certo cuidado. Dizer que uma dada manifestação se deve ao efeito placebo está longe de significar que ela não exista. O placebo é, a um só tempo, um dos mais extraordinários aspectos da neurologia humana e um dos mais mal compreendidos. Ele é extraordinário porque mostra que o cérebro produz reações que normalmente só ocorrem com recurso a drogas poderosíssimas. E é mal compreendido porque costuma ser descrito meio pejorativamente como algo que "está apenas na sua cabeça".

A verdade, contudo, é que o efeito placebo é bastante poderoso e incrivelmente real. Só não o utilizamos a torto e a direito na medicina por razões éticas. Placebos sempre envolvem algum grau de enganação. A confiança no médico e parte do efeito curativo se perdem se o paciente descobre que estava tomando pílula de farinha em vez de remédio "real".

Para quem está apenas interessado em curtir um pouco, sem preocupações éticas ou curiosidades neurofisiológicas, e-drugs são uma alternativa mais saudável que drogas de verdade. É claro que só funcionarão com os mais crédulos.

Raymond Kurzweil

http://pt.wikipedia.org/wiki/Raymond_Kurzweil


sábado, 11 de setembro de 2010

Daniel Dennett




















Homem precisa se enganar, diz biólogo

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1109201025.htm

RICARDO MIOTO


Platão, Kant e... Trivers?
Se essa lista parece estranha, Steven Pinker, talvez o mais importante psicólogo contemporâneo, discorda.
O biólogo Robert Trivers, diz, é um dos grandes pensadores da história do Ocidente -provavelmente o único deles que é defensor da maconha, apaixonado pela Jamaica e entusiasta do grupo de radicais negros Panteras Negras (ainda que branco).
Adriano Vizoni/Folhapress
O biologo americano Robert Trivers, durante palestra no auditorio do Instituto de Biociencias da USP
O biologo americano Robert Trivers, durante palestra no auditorio do Instituto de Biociencias da USP

A empolgação com o cientista se deve ao fato de que Trivers, quase sozinho, revolucionou a psicologia, ao propor, nos anos 1970, elos entre o comportamento humano e a teoria da evolução.

Trivers correlacionou, por exemplo, as diferenças entre o comportamento sexual masculino e o feminino ao fato de que homens investem menos em cada filho do que as mulheres (veja abaixo).

Seu tema de interesse atual é o autoengano. Ele defende que os humanos evoluíram para acreditar em mentiras que os façam se sentir melhor e que justifiquem suas atitudes.

O sujeito que, contra todas as evidências, acha que vai se recuperar de uma doença fatal, ou a mulher que se recusa a enxergar que o marido claramente a trai estão, então, apenas sendo humanos.

Apesar da aclamação atual, Trivers, 67, demorou para engrenar como cientista. Quando ainda era aluno da Universidade Harvard, ele trilhou um caminho impressionantemente torto.

WITTGENSTEIN DEMAIS

Tudo dava errado: tentou ser matemático, mas desistiu. Resolveu ser historiador, graduou-se em Harvard, mas ficou desanimado com os livros de história americana. Muita 'autoglorificação'.

Quis então ser advogado, mas não pôde entrar na escola de direito porque teve um colapso mental (ficava lendo Wittgenstein noite adentro e não dormia quase nada) e acabou tendo de ser internado para tomar antipsicóticos.


Editoria de Arte/Folhapress

Quando estava se recuperando, conseguiu um emprego para escrever e ilustrar livros de ciências que seriam usados em escolas por alunos de ensino médio.

Os livros venderam bem menos que o esperado- desagradaram aos mais conservadores, porque incluíam animais fazendo sexo e ignoravam o criacionismo.

O trabalho, porém, serviu para despertar o gosto de Trivers pela biologia, e ele conseguiu ser doutorando de Ernst Mayr (1904-2005), um dos principais teóricos evolutivos do século 20.

RENAS SIM, QUÍMICA NÃO

Mayr pediu que Trivers fizesse matérias na graduação. Ele preferiu usar o tempo para viajar e ver renas no Ártico.

Quando um comitê em Harvard percebeu a safadeza, quis que Trivers estudasse química orgânica. Ele disse que não havia motivo para preocupações: já estava até matriculado na disciplina.

Poucas horas depois de sair da reunião, vendeu o seu livro de química orgânica e queimou as peças de plástico que os alunos usavam para simular moléculas.

Apesar da rebeldia, os trabalhos publicados pelo garoto logo chamaram a atenção. Seu ponto central: atitudes humanas poderiam ser explicadas pelo sucesso reprodutivo que trazem.

Desavenças em Harvard (leia à direita) fizeram que, em 1978, Trivers saísse daquela universidade. Só voltaria quase 30 anos depois.

Nesse intervalo, exceto por alguns anos em Nova Jersey, Trivers alternou seus dias entre a Costa Oeste americana (era professor na Universidade da Califórnia em Santa Cruz) e sua grande paixão, a Jamaica.
Estudou os lagartos do país, mas isso era só um pretexto, conta. Ficou encantado mesmo com as mulheres jamaicanas -acabou se casando com duas delas (não ao mesmo tempo). Encontrou no país um paraíso: diz-se apaixonado pela cultura rastafári e por mulheres negras ou mestiças.

BLACK POWER
Nos anos 1980, na Califórnia, ele conheceu Huey Newton, líder dos Panteras Negras, grupo revolucionário americano que pregava que negros deveriam se armar para se defender.

Tornaram-se grandes amigos. Antes de ser assassinado, em 1989, Newton foi padrinho de uma das filhas de Trivers. Chegaram a escrever um trabalho científico sobre autoengano juntos -tema que interessava muito a Newton, diz Trivers. Esse se tornou, a partir dos anos 1990, o tópico favorito do biólogo.

Em paralelo, Trivers conduziu um estudo com crianças jamaicanas. Mapeou seus rostos em busca de imperceptíveis assimetrias e, depois, avaliou o quanto elas eram consideradas bonitas por outras crianças.

Viu que, em muitos casos, não é possível, a olho nu, dizer quem é mais simétrico, mas que o cérebro dos 'jurados' consegue fazer esse cálculo inconscientemente e apontar o mais simétrico como o mais bonito.

Enquanto não está pesquisando, uma das coisas que gosta de fazer na Jamaica é fumar maconha com conhecidos. É entusiasta do uso da erva e acha que não há motivo para não legalizá-la.

'Fumo há décadas', diz, enquanto dá uma pancadinha 'carinhosa' no interlocutor. Não consegue medir bem a força desses tapas, o que faz que, com o tempo, as pessoas ao seu redor fiquem condicionadas a fugir dos seus movimentos de mão.

Esteve pela primeira vez no Brasil no final de julho. Falou no encontro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e deu uma palestra na USP. Ao ser questionado se estava gostando do país, soltou: 'Claro! Muitas mulheres bonitas!'

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A ciência por trás do filme A Origem

Neurocientista explica quais são os erros e acertos científicos da produção estrelada por Leonardo DiCaprio

Sidarta Ribeiro*
Cena do filme A Origem (Reprodução)

"A Origem
 é uma condensação vertiginosa de cem anos de psicanálise, neurobiologia, filosofia e cinema"
A Origem é um filme desafiador. Num mundo não muito distante do nosso, em que existe tecnologia para invadir sonhos é realidade, um espião  altamente capacitado tem sua chance final de redenção condicionada à realização de uma missão impossível: implantar uma idéia estranha na mente de uma pessoa, capaz de levá-la a fazer algo que não quer. Na superfície, trata-se de um barulhento filme de ação típico de Hollywood, com tiros, perseguições de carros e muitas explosões. Na profundeza, é uma condensação vertiginosa de cem anos de psicanálise, neurobiologia, filosofia e cinema. Cientificamente, acerta um tanto e erra outro tanto.

O filme é composto de cinco narrativas, uma dentro da outra, articuladas em diferentes velocidades temporais com uma clareza desconcertante. Além do protagonista, cinco personagens adentram o sonho da vítima do golpe, para ajudar na difícil tarefa de semear o germe de uma ideia indesejada. Atuando de forma coordenada, tentam convencer a vítima a descer mais e mais profundamente, passando de um sonho a outro, até um local em que a ideia estrangeira possa ser plantada com sucesso.

Indução — Voltando para o mundo real (real em termos, já que a ciência não tem como provar que não estamos sonhando), com a tecnologia atual é possível induzir uma pessoa ao sono. Fazer a mesma pessoa sonhar é mais difícil. Substâncias precursoras de dopamina e acetilcolina afetam o sonho. O DMT (Dimetiltriptamina, uma substância psicodélica), contido na Ayahuasca, gera padrões de ativação cerebral e de experiência psicológica semelhantes aos observados durante o sonho. Mas os estudos ainda são incipientes.

Cientificamente é possível sonhar que se está sonhando, como muitos de vocês já devem ter experimentado e como acontece no filme. Mas ninguém sabe ao certo quantas camadas um sonho pode ter. Talvez milhares, talvez apenas duas ou três. Também não há dados sólidos a respeito.

Invasão —
Em A Origem, tudo acontece como se a tecnologia para fazer o implante fosse algo já estabelecido. Fora das telas, nada disso existe. Para realizar a invasão de sonhos seria necessário decodificar o sonho a ser invadido e ser capaz de inserir conteúdo novo nele, não próprio do sonhador original. A primeira parte talvez seja possível em um futuro não muito distante, a segunda parece mais difícil.

No que diz respeito à decodificação, nos últimos anos foram publicados artigos mostrando que é possível descobrir o que a pessoa está imaginando através da análise da ativação do córtex visual. Existe um truque aí, porque antes de fazer o experimento de "leitura de mentes", a pessoa é submetida a uma bateria de imagens visuais, e sua ativação no córtex visual é gravada, gerando um mapa de possíveis estados que depois serve de base para a codificação de imagens novas, ainda não apresentadas ao sujeito. Com ou sem truque, é uma façanha e tanto. No que diz respeito à invasão, nossa tecnologia para estimular o cérebro com eletricidade ou campo magnético ainda é muito grosseira para se pensar em causar imagens específicas numa pessoa.

Enquanto no filme o equipamento necessário para entrar nos sonhos cabe em uma maleta, os aparelhos atualmente existentes que permitem ver um cérebro sonhando são uma combinação de magnetoencefalografia (bem mais poderosa do que a eletroencefalografia comum) e ressonância magnética funcional. São técnicas que requerem o uso de aparelhos enormes, do tamanho de um carro cada, caríssimos. Mesmo eles não resolveriam o problema, esbarraríamos nas limitações citadas acima, mas pelo menos seria o melhor possível.
Divulgação
O ator Leonardo di Caprio, em cena do filme 'A Origem'
O ator Leonardo di Caprio, em cena do filme A Origem

Ritmo acelerado
— Uma vez dentro do sonho, o filme mostra que a cada camada o tempo passa mais devagar: um segundo no mundo dos acordados significa cinco minutos na primeira camada de sonho, duas horas na segunda, e assim por diante. Ponto para o filme. Existem algumas evidências em ratos de que a compressão temporal do processamento neuronal varia conforme as diferentes fases do sono. O resto é a imaginação de Christopher Nolan, o diretor do filme. Mas ele chega perto quando define a morte, dentro do sonho, como uma das formas para despertar. É muito difícil que as pessoas sonhem com a própria morte, embora algumas afirmem ter sonhos assim. No caso de A Origem, como acontece com a maioria das pessoas, morrer faz com que a pessoa acorde.

O filme também acerta em mostrar pessoas que sabem que estão dentro de um sonho, como os agentes contratados para implantar as ideias. Quando começamos a perceber que estamos sonhando, há quem consiga permanecer nesse estado sem despertar ou regressar para o sonho comum, equilibrando-se entre o espanto e a inconsciência. Se torna um sonhador lúcido, capaz de criar o enredo onírico com sua própria vontade, simulando o que quiser.

Chuva onírica —
A perturbação do sonho através da interferência sensorial - como a cena em que chove porque o dono do sonho está com vontade de ir ao banheiro - tem base científica. Como notou Freud, estímulos externos entram no sonho e são ressignificados, de forma que "o sonho protege o sono". Isso ocorre até um certo ponto, além do qual a pessoa acorda.

O mais interessante em “A Origem” é como o personagem principal enfrenta a impossibilidade de ter certeza sobre os limites da realidade. O desejo é motor do sonho, e o sonho não cessa. Repressão de memórias e loucura se entrelaçam, seguindo o fio condutor das idéias de Freud. Mas o espectador é levado ainda mais longe, saltando por cima das divergências acadêmicas no campo das psicologias e das neurociências para interrogar de modo incisivo, equipado com tudo que sabemos, qual é a arquitetura última da mente. Nada mal para um blockbuster.

*Sidarta Ribeiro é doutor em neurociências pela Universidade Rockefeller (2000), chefe de laboratório do Instituto Internacional de Neurociência de Natal (IINN-ELS), professor de Neurociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pesquisador do Instituto de Ensino e Pesquisas do Hospital Sírio Libanês e pesquisador-colaborador da Universidade Duke (EUA).

terça-feira, 31 de agosto de 2010

A intuição da minha avó



A incapacidade de observar nossa mente nos torna estranhos diante de nós mesmos


SE TIVÉSSEMOS que pensar em cada ato para decidir se valeria a pena executá-lo, passaríamos a vida sem fazer nada.

Por sorte, existem mecanismos adaptativos inconscientes que nos permitem tomar decisões rápidas, enquanto nosso cérebro está entretido no exercício de funções mais nobres.
Parte significativa da mente humana opera em modo automático, fora do alcance da percepção. Sem essa atividade silenciosa, teria sido impossível a sobrevivência de nossos ancestrais, obrigados a tomar decisões rápidas para obter alimentos, defender-se das feras, proteger as crianças e livrar-se de inimigos agressivos.

Como conseqüência desse longo processo evolutivo, tantas vezes encontramos dificuldade para explicar por que agimos daquela maneira. A incapacidade de observar nossa mente enquanto executa suas 1.001 atividades nos torna estranhos diante de nós mesmos.

Na verdade, somos inconscientes de nossa própria inconsciência.

Por isso, quando convidados a explicar nossas reações, quase nunca respondemos: "Não tenho a menor idéia". Ao contrário, vamos atrás de argumentos que façam sentido para justificá-las.
Num estudo publicado em 2005, pesquisadores suecos mostraram fotografias de duas mulheres para um grupo de homens. Cada um devia escolher a que mais o atraía. Num segundo tempo, exibiram novamente as fotos e pediram que eles explicassem a razão da preferência. Para alguns, foi exibida a foto da mulher realmente selecionada; para outros, a da que haviam considerado menos atraente.

Para surpresa geral, apenas um em cada quatro participantes percebeu estar diante da foto errada. Os demais, sem notar a troca, justificaram com argumentos lógicos a razão da escolha. Os pesquisadores não encontraram diferenças significativas entre os motivos apresentados pelos que analisaram a foto certa, e os daqueles que avaliaram a falsa.

A psicologia clássica considera que, em qualquer tomada de decisão, as informações disponíveis seriam processadas numa fase de deliberação, com a finalidade de selecionar a opção mais sensata. Psicólogos da Universidade de Pádua acabam de publicar na revista especializada "Science" um estudo que questiona essa hipótese.

Para avaliar os mecanismos envolvidos nas tomadas de decisão, os autores estudaram as diferenças existentes entre as associações mentais automáticas e os conceitos elaborados de forma consciente diante de um mesmo fato: estar a favor ou contra a controversa ampliação de uma base militar norte-americana na cidade de Vicenza (Itália).

Associações mentais automáticas foram definidas como aquelas que vêm à mente sem haver intenção, difíceis de controlar, e que podem ocorrer sem que tenhamos consciência delas.

Com a ajuda da informática, os autores avaliaram as diferenças entre as atitudes associadas ao automatismo e aquelas tomadas como fruto do pensamento racional, elaborado nos domínios do consciente.

Os resultados revelaram existir divergências entre os indivíduos que a princípio se declararam a favor ou contra a ampliação, e os outros, indecisos.

A aplicação dos testes de associações mentais automáticas entre os indecisos deixou claro ser possível antecipar a decisão que tomariam no final. O indeciso já sabe o que fará, mesmo que se considere conscientemente confuso e incapaz de decidir.

Imagine uma eleição que ocorrerá dentro de dois meses, na qual você não saiba em quem votar: "A" ou "B". Você ficará atento a tudo que for dito e escrito a respeito de cada um. Depois de dois meses de análise crítica você chegará à conclusão de que o candidato "B" merece seu voto.

Você concluirá que a opção foi mediada por mecanismos racionais, conscientes. Errado, dizem os novos estudos. Se você tivesse sido submetido a testes de associação automática dois meses antes, já seria possível prever que seu voto iria para "B".

E o que dizer dos argumentos a favor ou contra cada candidato avaliados com tanto rigor? Só serviram para justificar de forma lógica uma preferência já definida por processos mentais automáticos, dependentes do repertório de suas vivências anteriores. Associações mentais automáticas têm o poder de distorcer as informações novas, de modo que elas se adaptem à escolha já realizada, sem que tenhamos consciência delas.

Não seria isso o que minha avó chamava de intuição?

Drauzio Varela

domingo, 13 de junho de 2010

Amor - O Fim

Tudo acaba um dia. Geralmente, 7 anos depois que começou. Veja por que podemos abandonar (e até odiar) quem amamos um dia.

por Jeanne Callegari



Vocês trocaram mensagens bobas pelo celular, dividiram brigadeiros de panela, assistiram TV juntos largados na poltrona e dormiram de conchinha. Foram, enfim, o centro da vida um do outro. Mas agora é cada um para o seu lado. E sempre fica um enorme ponto de interrogação: se era tão bom, por que acabou? Para entender, é preciso voltar no tempo e fazer um passeio pelas savanas africanas, 3 milhões de anos atrás. O homem caçava e protegia a família. A mulher cuidava dos filhotes. Mas, em determinado momento, os casais se separavam. O objetivo da família nuclear - nome técnico que os antropólogos dão ao conjunto de pai, mãe e filhos - era garantir que o homem ficasse por perto tempo suficiente para criar o filhote. Somente isso. Quando o filhote já estava crescidinho e não exigia atenção integral da mãe (que por isso podia voltar a se virar sozinha), o pai estava livre para ir embora e procurar outras fêmeas para procriar.

É daí que vem a chamada crise dos 7 anos. Esse é o período necessário para que uma criança se torne minimamente independente. Um estudo da ONU revelou que o número de separações vai aumentando a partir do 3o ano dos relacionamentos e atinge o pico no 7o ano - quando começa a declinar. Ou seja: o 7o ano realmente é a hora da verdade da relação. No filme O Pecado Mora ao Lado, de 1955, Marilyn Monroe faz o papel de uma mulher que se relaciona com um homem casado. Sabe qual é o nome original do filme, em inglês? The Seven Year Itch, ou "A Coceira dos 7 Anos". Porque é justamente nesse momento que a relação está mais ameaçada - pela comichão de trair.

As estatísticas variam, mas entre 50 e 60% dos homens têm sexo fora do casamento, contra 45 a 55% das mulheres. O aumento da infidelidade tem a ver com a independência delas, que já são quase metade da força de trabalho e estão diminuindo rapidamente a distância financeira para os homens (nos EUA, 22% das esposas já ganham mais do que os maridos). Mas as raízes disso estão dentro do cérebro. Lembra-se de quando dissemos, na primeira reportagem desta série, que os sistemas cerebrais (luxúria, paixão/amor e ligação) eram independentes? Isso tem um motivo - e não é complicar os relacionamentos. Pelo contrário: surgiu para que nossos ancestrais pudessem buscar estratégias reprodutivas diferentes. A mulher poderia ter um parceiro para protegê-la enquanto gerava os filhos de outro, enquanto o homem poderia espalhar seus genes alegremente por aí, com outras mulheres. A natureza não queria o ideal romântico de amor eterno. Ela queria que tivéssemos um backup reprodutivo, um plano B genético, e nos meteu nessa confusão.

E as circunstâncias também influem: na hora de decidir trair ou não, a relação do casal, a insatisfação com o parceiro, a oportunidade, tudo isso pesa.

Mas muita gente tem os genes, os hormônios, todas as oportunidades do mundo, e não trai. Nós não somos robôs biológicos. É possível resistir ao desejo de trair. Mas é muito mais difícil resistir a outro fenômeno, igualmente destrutivo para os relacionamentos: o ciúme. O mais engraçado é que esse monstro de olhos verdes, como chamou Shakespeare, surgiu com o objetivo oposto - preservar a relação monogâmica. Ao primeiro sinal de infidelidade, soa o alarme e a pessoa fica atenta. E, como homens e mulheres desenvolveram estratégias distintas de reprodução, também sentem ciúmes de coisas diferentes.

Como para o homem é muito dispendioso criar o filho de outro homem, ele sente mais ciúmes da infidelidade sexual. Já para a mulher, não faria tanta diferença se o homem distribuísse apenas esperma para as moças por aí; a grande ameaça é o envolvimento emocional, que coloca em risco a proteção e o cuidado que o homem dá a ela e aos filhos.

Em 2006, o neurologista japonês Hidehiko Takahashi fez exames de ressonância magnética no cérebro de homens e mulheres que comprovaram essas diferenças. Quando sente ciúmes, o homem usa partes do cérebro ligadas a comportamentos agressivos e sexuais, como a amígdala e o hipotálamo. Já nas mulheres, a área mais ativada durante as crises de ciúme é o sulco temporal posterior superior, associado à percepção de emoções nas outras pessoas.

E a internet está piorando o ciúme. Uma pesquisa feita por psicólogos canadenses com 308 voluntários descobriu que as redes sociais, como Orkut e Facebook, alimentam o ciúme. Sabe por quê? Nada menos do que 74,6% das pessoas adicionam ex-namorados ou rolos como amigos nessas redes - que depois o cônjuge atual vai fuçar atrás de indícios.

Com ou sem ciúme, a verdade é que boa parte dos relacionamentos está destinada a acabar. E esse momento pode ser muito difícil. "A natureza realmente exagerou no que diz respeito ao fim dos relaciomentos", diz Helen Fisher. Quando uma pessoa é abandonada, sua reação se divide em duas fases. A 1a é o protesto. É quando a a pessoa fica fazendo promessas, doida para reatar. Isso pode ser muito inconveniente. Mas ela não tem culpa. É o corpo agindo. "O cérebro estava acostumado com aquela recompensa [a pessoa amada], então faz você insistir mais e mais para tentar consegui-la de novo", explica a neurologista Suzana Herculano-Houzel. O pânico de ver que não está dando certo pode acionar o sistema de estresse do organismo, que por sua vez estimula novamente a produção de dopamina - ironicamente, fazendo a pessoa se sentir ainda mais apaixonada.

Depois vem a 2a fase: aceitação. Depois de ver que o amado não irá mesmo voltar, muita coisa pode passar pela cabeça da pessoa - depressão, confusão, frustração. Até mesmo ódio. Mas por que sentir algo tão ruim por alguém que se amou? É que o ódio e o amor passam pelas mesmas partes do cérebro - a ínsula e o putâmen. "A diferença entre os dois é que, no ódio, existe mais capacidade de planejar as ações. No amor, o julgamento está prejudicado", diz o neurologista Semir Zeki, da University College London. Então o ódio é mais racional que o amor? Não necessariamente. Mas ele tem sua função: é uma defesa do organismo para nos fazer seguir em frente. Em vez de ficarmos remoendo eternamente as dores, passamos a não querer mais ver a pessoa. "Assim como o cérebro associava coisas positivas a uma pessoa, ele pode passar a associar só sentimentos ruins, negativos", diz Suzana Herculano-Houzel. Todos nós sofremos e fazemos sofrer. E, se isso servir de consolo, as celebridades também se separam e sofrem, talvez até mais do que as pessoas comuns. Já ficou famosa a chamada "maldição do Oscar", que atingiria as vencedoras do Oscar de melhor atriz. Nos últimos 12 anos, apenas duas atrizes não se divorciaram após ganhar o Oscar. E logo após o prêmio deste ano, o marido da vencedora, Sandra Bullock, foi pego tendo um caso extraconjugal.

Tem gente que mata (e se mata) por amor. Mas a maioria das pessoas supera as dores emocionais da separação. Um estudo feito pela Universidade Northwestern mostrou que terminar uma relação não é tão ruim quanto pensamos que vai ser - geralmente leva metade do tempo que achamos. Isso acontece porque a mente tende a voltar a seu estado inicial: cientistas da Universidade de Massachusetts provaram que, após um ano, as pessoas que ganham na loteria apresentam os mesmos níveis de felicidade que as que se tornam tetraplégicas. Ambas voltam aos níveis de felicidade que tinham antes do fato extraordinário. E a melhor coisa para curar um coração partido é começar outro relacionamento. Disso você já sabe. Releia a primeira reportagem desta série, levante a cabeça, sacuda a poeira, vá à luta. Se não há bem que não se acabe, também não há mal que sempre dure. Força na peruca!


CERCADOS POR DARWIN
O adultério ajudou na evolução da espécie: é um plano B da natureza para que homens e mulheres possam buscar estratégias evolutivas diferentes.

DE SOLA
Após estudar 144 homens e mulheres recém-separados, a Universidade do Colorado comprovou: quem leva o pé na bunda sofre mais. O curioso é que a pessoa sofre mesmo se já estivesse infeliz na relação - e pode até se reapaixonar por quem a chutou.

A VIDA CONTINUA
Num estudo da North-Western, que acompanhou a vida amorosa de 70 universitários, a recuperação pós-rompimento levou em média 10 semanas - metade do tempo que os recém-separados esperavam.


Para saber mais

Por Que Amamos
Helen Fisher, Editora Record, 2004.

A Paixão Perigosa
David M. Buss, Objetiva, 2000.

Splendors and Miseries of the Brain
Semir Zeki, Wiley-Blackwell 2008.

Amor - O Meio

Morar junto. Casamento. Filhos. Tudo isso é muito bom - faz vocês ficarem mais ricos e viverem mais. Sim, a paixão vai diminuir. Mas isso não é o fim.

por Jeanne Callegari


Amor - O Início

Parabéns. Você encontrou sua cara-metade, namorou, começou uma relação estável. Vocês moram juntos, saem juntos, fazem tudo juntos - suas personalidades estão grudadas, e é até difícil saber onde uma começa e a outra termina (como as colunas desta página, que representam a união absoluta, as das páginas anteriores, que representam a conexão entre duas pessoas, e as das próximas páginas, cujo significado você vai ver daqui a pouco). Uma situação extremamente rara: entre os mamíferos, apenas 3% das espécies são monogâmicas. Por que estamos entre elas? Há 3 milhões de anos, nossos ancestrais desceram das árvores e começaram a andar eretos. Um pequeno passo para o hominídeo, um grande salto para a humanidade e uma complicação danada para as fêmeas - que não conseguiam mais carregar os filhotes nas costas, como fazem os chimpanzés. Como não tinha jeito de colher raízes e se defender de leões e ao mesmo tempo segurar bebês nos braços, elas passaram a precisar da proteção e do sustento masculino. Para o homem, seria muito dispendioso alimentar e defender mais de uma mulher. Pronto: monogamia. Além disso, com o tempo, o cérebro humano foi ficando maior. E aí as mulheres passaram a ter dificuldades para dar à luz bebês tão cabeçudos por seu canal de parto estreito. A pélvis não podia crescer, ou os humanos não conseguiriam mais andar eretos. Algumas mulheres conseguiram parir filhotes mais imaturos, garantindo a continuidade da espécie. Mas significa que os bebês passaram a nascer ainda mais indefesos (um humano leva 18 anos para ficar adulto, 8 a mais que um filhote de chimpanzé) e dependentes da mãe. Aí, a natureza veio em socorro das mulheres estafadas. Criou o terceiro mecanismo cerebral do amor - o da ligação e do companheirismo. É um amor profundo, que deixa as pessoas calmas e seguras. Foi ele que possibilitou a criação das famílias - e fez nossa espécie chegar aonde chegou. E tem várias vantagens biológicas, como estender a vida do homem em 7 anos e a da mulher em 2 (ele porque passa a se alimentar melhor, e ela porque fica mais rica ao incorporar a renda do marido). Em suma: a rotina conjugal é boa. Mas tem uma consequência ruim - faz a testosterona despencar. Foi essa a conclusão de um estudo da Universidade Harvard, que analisou os níveis hormonais de 58 homens. Sem testosterona, os casais vão perdendo a vontade de sexo. E é aí que os problemas começam. Sem o mesmo encantamento de quando estavam apaixonadas, as pessoas ficam menos tolerantes, e começam a ver o outro como ele realmente é.
 
SILÊNCIO HORMONAL
Após o nascimento do primeiro filho, o nível de testosterona no homem cai até 33%. E atividades como brincar com a criança ou abraçar a mulher fazem com que caia ainda mais. É um mecanismo criado pela evolução para que o macho sossegue - e ajude a criar o filhote.

E aqueles casais que estão juntos há décadas e ainda se dizem apaixonados? Cientistas dos EUA monitoraram o cérebro de pessoas nessa situação e constataram que as áreas do cérebro relacionadas à paixão e ao romance realmente se acendiam quando elas pensavam na pessoa amada. A paixão pode, sim, durar para sempre. Mas isso só acontece com algumas pessoas - e ninguém sabe por quê. O fato é que, para a maioria, a paixão diminui com o tempo. E isso faz sentido. Seria difícil cuidar dos filhos e tocar a vida atordoado por aquela intensidade do início de romance. Mas como fazer a relação dar certo? Existem as recomendações que você já conhece (ter bom humor, não brigar por bobagens etc.). Tudo isso funciona. Mas só se você adotar a postura correta - que nem sempre é a mais óbvia. Um estudo da Universidade da Califórnia revelou que na Índia, onde 95% dos casamentos são arranjados, os casais têm níveis mais altos de satisfação e amor do que no Ocidente. É porque começam a relação sem esperar grande coisa: o amor nasce pequeno e cresce com o tempo. Aqui, ao contrário, jogamos toda a esperança do mundo nos ombros da pessoa amada, e o amor inevitavelmente vai diminuindo. O certo é não alimentar expectativas. Também tenha o hábito de ficar um pouco longe da outra pessoa, pois isso atiça o sistema de recompensa do cérebro. "A expectativa da recompensa é quase mais prazerosa que a recompensa em si", afirma o neurologista Semir Zeki. E tome cuidado com o excesso de familiaridade. Um estudo feito nos anos 70 com crianças israelenses criadas juntas num kibutz constatou que os meninos e as meninas se tornaram grandes amigos depois de adultos. Mas nenhum deles se casou: foi impossível sentir desejo por alguém tão familiar. O desejo está no que é novo. Falando nisso, não se acanhe. "A pornografia aumenta os níveis de testosterona", afirma a antropóloga Helen Fisher. Ela recomenda que os homens acessem sites eróticos. Seja como for, não se acomode. A evolução percorreu milhões de anos para que vocês pudessem estar juntos. Aproveite a felicidade a dois - que, segundo um estudo feito na Inglaterra, tem o auge aos 2 anos e 11 meses de relacionamento.

Amor - O Início

Você perde o sono, a fome, sobe às nuvens e sente a vida virar de ponta-cabeça. Mas o que, afinal, faz com que uma pessoa se apaixone por outra?








"Quer viver um grande amor? Pergunte-me como." Parece uma promessa de charlatão - afinal, não existe nada mais imprevisível que a paixão, certo? Milhões de palavras foram gastas, ao longo dos séculos, para descrever os mistérios dela. Do matemático Blaise Pascal ("o coração tem razões que a própria razão desconhece") ao físico Albert Einstein ("como a ciência poderia explicar um fenômeno tão importante como o amor?"), todas as maiores mentes da humanidade se declararam impotentes frente aos mistérios e caprichos da paixão. Elas estavam erradas. A ciência está começando a descobrir que existe, sim, lógica no amor. E, quem sabe, até uma fórmula. Matemáticos da Universidade de Genebra estudaram 1 074 casamentos, analisando diversas características dos cônjuges, e chegaram a uma fórmula do que seria o par ideal - com maior taxa de felicidade e menor risco de separação. A mulher deve ser 5 anos mais jovem e 27% mais inteligente do que o homem (o ideal é que ela tenha um diploma universitário, e ele não). E é preciso experimentar bastante antes de decidir: uma análise feita pelos estatísticos John Gilbert e Frederick Mosteller, da Universidade Harvard, apontou que, se você se relacionar com 100 pessoas durante a vida, suas chances de encontrar o par ideal só chegam ao auge na 38ª relação. Faça tudo isso e você será premiado com 57% mais chance de ser feliz. Mas, se você achou essas condições meio sem sentido, ou no mínimo difíceis de seguir, acertou. As conclusões são puramente estatísticas, ou seja, projetam um cenário ideal e não levam em conta as decisões que as pessoas realmente tomam: praticamente todos os casais estudados pelos cientistas suíços (para ser mais exato, 99,81%) não viviam seguindo à risca a fórmula. Afinal, as pessoas não são equações. São uma pilha de neurotransmissores, hormônios - e experiências.

Imagine que você está numa festa. Muita gente interessante, troca de olhares, azaração. Na dança do acasalamento humano, os homens dão mais valor à beleza e à juventude - e as mulheres estão mais preocupadas com o nível socioeconômico do parceiro (sim, isso inclui dinheiro). Você provavelmente já sabe disso. É universal. "Num levantamento que fizemos com 10 mil pessoas, em 37 países, essas diferenças sempre se mantiveram - independentemente de local, habitat, sistema cultural ou tipo de casamento", afirma o psicólogo evolutivo David Buss, da Universidade do Texas, em seu livro A Evolução do Desejo. O que você não sabe é que essa diferença não é um clichê sexista - tem uma explicação cerebral. Quando o homem olha uma foto de sua mulher ou namorada, sua atividade cerebral se concentra nas áreas de processamento visual - como a área fusiforme, que processa as imagens de rostos. Já quando a mulher vê o homem, aciona circuitos relacionados a memória, atenção e motivação - como o corpo do núcleo caudato e do septo. Conclusão: para as mulheres, a beleza realmente não é o principal.

Ela é importante. Mas não é um objetivo em si; é um instrumento que a mulher usa para descobrir mais sobre o homem. Um estudo da Universidade de Michigan comprovou que, quando estão cogitando ficar ou ter um caso passageiro, as mulheres costumam preferir homens de traços bem marcados, masculinos. Mas, na hora de pensar numa relação séria, optam pelos que têm traços mais delicados. Isso acontece porque os homens de traços duros costumam ser saudáveis e passar genes de boa qualidade para os descendentes - e por isso são considerados instintivamente atraentes pela mulher. Mas eles também geralmente têm mais testosterona - hormônio que aumenta a propensão à violência e à infidelidade.


OS SEMELHANTES SE ATRAEM
Em 68% dos relacionamentos sérios (e 53% dos passageiros), as pessoas são apresentadas por um conhecido. Cerca de 60% dos romances surgem em ambientes semiprivados, como escola, trabalho ou uma festa - lugares onde a afinidade entre as pessoas é naturalmente maior. Só 10% dos romances se originam em bares e baladas.


COISA DE PELE
Homens e mulheres preferem o odor de pessoas cujo sistema imunológico seja complementar ao deles (o que ajuda a gerar descendentes saudáveis). Mas cuidado com a pílula anticoncepcional: ela pode distorcer essa comunicação olfativa, fazendo a mulher perder a capacidade de reconhecer o que a atrai.


PAIXÃO = AVENTURA
Quer fazer o romance engatar? Procure fazer coisas novas e/ou excitantes junto com a outra pessoa - como viajar ou andar de montanha- russa. É sério. Esse tipo de atividade eleva o nível de dopamina no cérebro, ativando os mecanismos relacionados à paixão.

Ou seja: os machões não são bons pares. E parecem estar saindo de moda. Pesquisadores da Universidade de Stirling, na Escócia, apresentaram uma série de fotos de homens para 4 791 mulheres de 30 países, entre eles o Brasil. E descobriram o seguinte: quanto melhor o sistema de saúde de um país, mais as mulheres preferem homens com traços femininos. Isso acontece porque, existindo menos doenças, as mulheres não dependem tanto de genes superfortes (presentes nos machões) para gerar descendentes saudáveis. E passam a preferir homens com rosto delicado. Mas o Brasil, caso você esteja se perguntando, ficou em último lugar no estudo - nossas mulheres, junto com as mexicanas, são as que mais preferem homens com cara de machão (Bélgica e Suécia, por outro lado, são o paraíso para os homens delicados). "Homens muito atraentes costumam ir atrás da estratégia de reprodução mais conveniente para eles: as relações de curto prazo. Já os mais femininos tendem a ser melhores provedores", afirmou a psicóloga Lise DeBruine, autora do estudo, ao jornal inglês Guardian.

Seja como for, um pouquinho de feiúra pode até ajudar o homem. Um estudo feito em 2008 pela Universidade do Tennessee avaliou 82 casais e descobriu que, quando a mulher é linda e o homem apenas razoável, o casal se comporta de forma mais positiva, com mais harmonia e companheirismo. A tese é que, como o homem está recebendo algo que valoriza muito, a beleza, ele dá duro para manter o relacionamento - o que acaba melhorando seu convívio com a mulher.

CHEGUE MAIS PERTO
Vocês se olharam, se interessaram, alguém tomou a iniciativa de ir falar com o outro. Antes mesmo de abrirem a boca, seus corpos já começaram a se comunicar. Sabe quando as pessoas dizem que "bateu uma coisa de pele"? Isso realmente existe. E tem fundamento científico. Preferimos pessoas cujo sistema imunológico seja complementar ao nosso, com quem possamos gerar descendentes geneticamente mais variados, com maior capacidade de resistir a doenças. E, como ninguém tem placa na testa dizendo qual tipo de sistema imunológico tem, o jeito que o corpo inventou de perceber e comunicar isso foi o cheiro.

Ok, o cheiro combinou e vocês partiram para a conversa - que pode ou não dar certo. O que precisa acontecer para que ela não acabe num silêncio constrangedor depois de 10 minutos? Sua história pessoal, os valores da família, da comunidade, as relações que já viveu, tudo isso ajuda a moldar o que você espera das pessoas - principalmente aquelas com as quais pretende ter algum tipo de relacionamento amoroso. "Enquanto crescemos, vamos criando um conceito da pessoa por quem iremos nos apaixonar, baseado nos exemplos que encontramos por aí. E os parceiros que encontramos podem corresponder a essa expectativa ou não", explica Semir Zeki, neurologista da University College London e autor de estudos sobre o cérebro das pessoas apaixonadas. Existem muitos testes que ajudam a descobrir qual é o seu tipo de personalidade e saber quais outros combinam com ele (em super.abril.com.br/revista/teste-do-amor você encontra um teste baseado nas conclusões da americana Helen Fisher, antropóloga da Universidade Rutgers e uma das maiores especialistas do mundo nas relações entre amor e cérebro).

Mas o que vai acontecer daqui para a frente no relacionamento tem mais a ver com a dança de hormônios dentro da sua cabeça. Ou você já viu alguém tomar racionalmente a decisão de se apaixonar? A natureza criou 3 mecanismos cerebrais que controlam o amor nos seres humanos: luxúria, paixão/romance e ligação. O mecanismo da luxúria (desejo sexual) está ligado à quantidade do hormônio testosterona - tanto em homens quanto em mulheres. Já o impulso da paixão e do romance é alimentado pela dopamina. E o terceiro sistema, da ligação e do companheirismo, é alimentado pela ocitocina (na mulher) e pela vasopressina (no homem). Os 3 sistemas são independentes. Ou seja: uma mulher pode amar o marido, estar apaixonada pelo vizinho e sentir atração pelo Johnny Depp, tudo ao mesmo tempo. Uma confusão só. "É como se houvesse uma reunião de comitê na sua cabeça", brinca Helen Fisher. E, para complicar ainda mais as coisas, esses sistemas interferem uns com os outros. Uma coisa leva a outra, principalmente quando as pessoas vão para a cama. O sexo pode aumentar os níveis de dopamina - que provoca paixão e romance. E o orgasmo provoca a descarga de ocitocina e vasopressina - os hormônios da ligação. É por isso que, biologicamente, não existe sexo 100% sem compromisso. Você sempre corre o risco de acabar se apaixonando por alguém com quem não tinha intenção de se envolver.

E assim foi para vocês. A noite foi incrível, e parece que a paixão está começando a rolar. Como ter certeza? É fácil. Você vai ficar meio aéreo, passar a comer e dormir menos e ficar horas e horas pensando na pessoa amada - um comportamento compulsivo, similar ao dos viciados em drogas. É isso mesmo: o neurotransmissor da paixão, a dopamina, é o mesmo envolvido nos casos de dependência química. E mexe com uma parte muito profunda do cérebro: o núcleo accumbens, que controla o sistema de recompensa - mecanismo que faz o indivíduo buscar coisas prazerosas (como comida, sexo ou amor). Ele tem uma influência incrivelmente forte sobre nós. "O sistema de recompensa avisa o cérebro sempre que uma coisa boa está para acontecer. Ficamos altamente motivados, antecipando o prazer que virá", diz Suzana Herculano-Houzel, neurologista da UFRJ e autora do livro Sexo, Drogas, Rock`n`roll... & Chocolate - O Cérebro e os Prazeres da Vida Cotidiana.

A partir de agora, sua felicidade depende da outra pessoa. Se ela telefona ou manda um e-mail, você vai ao paraíso. Quando ela some, você vive uma agonia lenta, desesperada. Se você está sentindo tudo isso, comemore. Está apaixonado.